Nutrição

Crónica. Amor em estado líquido: sopa 

Recupere o delicioso hábito das sopas e caldos quentes que alimentam o corpo e a alma. Nunca um estado líquido nos caiu tão bem.

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Crónica. Amor em estado líquido: sopa  Crónica. Amor em estado líquido: sopa 
© shutterstock
Paula Azevedo, cronista
Escrito por
Dez. 30, 2020

Compramos trinta por uma linha, enchemos a dispensa de novidades, de frascos, de pacotes, de promessas; aprendemos pratos fabulosos que no dia a dia não saem da cartola, de tão complicados que são; sobrecarregamo-nos de literatura acerca do mais recente superalimento que promete a cura de todos os nossos males, complicamo-nos de tal maneira que quando chega a hora H, sobressaltadas pela fome, não resistimos ao chamamento da primeira esquina para comprar comida já feita que se aquece rapidamente quando se chega a casa, ou nem isso, vai assim mesmo, sem graça e fria.

Costuma dizer-se que “um dia, não são dias”. A nossa integridade, tal como a nossa condição de saúde e vitalidade, são resultado de uma construção diária, onde a regularidade, a frequência e a repetição nos salvam das exceções que nos tornam tão singulares nas nossas maneiras de viver.

No entanto, quando os pequenos prazeres ou as maiores preguiças se tornam um hábito, vale a pena olhar para o que está acontecer, para o impacto que essas escolhas têm sobre nós e procurar soluções mais interessantes.

De volta ao princípio

Se começarmos pelo princípio de uma refeição, rapidamente chegamos à sopa. Numa tradição não muito longínqua, todas nos habituámos a começar as refeições com um belo caldo mais ou menos cremoso, cuja base seriam os legumes, enriquecidos frequentemente com a sustância das leguminosas (feijões, grão, ervilhas etc.), mais ou menos adocicados pelas raízes e tubérculos, e temperados pela frescura e pelo viço dos vegetais e hortaliças que caíam na panela nos últimos minutos de fogo.

A sopa, se nos lembrarmos, chegava-nos como um reconfortante preliminar que nos tirava do estado de urgência e nos preparava o estômago para o momento seguinte, não só desencadeando a produção de sucos gástricos, tão necessários ao processo digestivo, mas moderando sobretudo a pressa gulosa em chegar ao que lhe sobrevinha.

Com o estômago aconchegado pela sopa, não só se saboreava melhor o segundo prato, mastigando mais e mais devagar, como se evitava comer demais – dando tempo às sensações e aos sentidos que nos comunicavam um extraordinário sentido de modéstia e de equilíbrio.

5 vantagens das sopas e caldos quentes

  • Acalmam, reconfortam e ativam a função dos órgãos do sistema digestivo;
  • Moderam o apetite, evitando que se coma demais e que se sinta pesada e sonolenta;
  • Estabilizam os níveis de açúcar no sangue e, por consequência, diminuem a irritabilidade, a ansiedade e a instabilidade emocionais (especialmente se forem sopas naturalmente mais doces, feitas com cebolas, cenouras e abóboras);
  • Despertam os sentidos, nutrem, hidratam e alimentam;
  • Recompõe forças, aquecem e refrescam (dependendo de como e com o que se faz).

Como fazer? Básicos para as primeiras vezes, em 20 minutos

1. Panela com água a ferver (para uma sopa mais festiva, se preferir, doure a cebola, por exemplo, à qual juntará de seguida os restantes ingredientes, seguindo-se a água);

2. Junte os legumes cortados. Grosseiramente, se transformar a sopa num creme, ou em pedaços mais pequenos e uniformes, se não triturar. Tempere com sal marinho;

3. A sopa torna-se mais enriquecida se acrescentar leguminosas já cozinhadas, como feijões, grão, ervilhas ou lentilhas;

4. Junte os vegetais de folha verde. Se as folhas forem mais fibrosas, como as couves, por exemplo, coza por mais tempo ou cortados finamente;

5. Junte aromáticas para perfumar a sopa e os temperos finais.

As possibilidades de ingredientes são infinitas. Um roteiro de Norte a Sul do País mostra-nos deliciosas combinações feitas de imaginação, necessidade e inteligência que nos contam as histórias das regiões e das suas geografias.

Antigamente, era habitual juntar-se à sopa e aos caldos, pão, broa de milho, massa, cereais ou pequenas quantidades de algum elemento animal, entre a terra e o mar, que acima de tudo tinham a função de dar sabor e gordura à mistura.

Um além-fronteiras aumenta os nossos horizontes num universo excecional de sopas e caldos que, para além de deliciosos e nutritivos, nos trazem qualidades terapêuticas, de como é exemplo o miso ou de um belo caldo de soyu, alimentos fermentados e tema para uma próxima crónica.

Recomendações gerais

1. Ingredientes

  • Use 3 ou 4 legumes, no máximo, facilitando o processo digestivo;
  • Escolha alimentos frescos, locais e sazonais. Mais nutritivos, mais doces e mais saborosos;
  • Utilize, sempre que possível, legumes biológicos e utilize a casca. Utilize tudo: se escolher um nabo, compre o nabo com as ramas e cozinhe todos os componentes na sopa;
  • Se quiser sopas mais nutritivas, destrone a batata branca da base das sopas e abra os horizontes, dando lugar a alimentos mais ricos como as cebolas, as cenouras, as abóboras, as beterrabas, o nabo, a couve-flor, a batata doce; as nabiças, os grelos, o agrião, as beldroegas, as acelgas, a couve coração, a couve lombarda, o caldo verde; os coentros, a salsa, o manjericão, a hortelã, entre outros.

2. Enriqueça a sua sopa

  • Junte leguminosas: feijão vermelho, branco, preto, manteiga, feijão azuki, ervilhas, grão, lentilhas, etc., e/ou algum cereal integral como o millet (que basta cozinhar no caldo), ou ainda cevada e aveia integrais (já cozinhados para acelerar o processo); fatias de pão de boa qualidade de fermentação (torrado, por exemplo, ou em forma de croutons temperados e perfumados) tornam a sopa numa refeição quase completa para um dia mais acelerado.

3. Detalhes que fazem diferença

  • Utilize tanto quanto possível a chama do fogão para fazer as suas sopas;
  • A sopa deve ser sempre comida quente, especialmente no inverno. A temperatura da sopa ou do caldo potencia a recetividade do sistema digestivo na absorção da riqueza nutritiva dos alimentos;
  • Cozinhe a sopa mais lentamente se sentir mais frio ou se estiver mais acelerada, mas não cozinhe exageradamente, desvitalizando o alimento;
  • Uma sopa cremosa e naturalmente doce, oferecerá uma energia mais reconfortante ao organismo; em contrapartida, sopas que não se trituram (isto é, com pedaços) impelem-nos a mastigar, o que será sempre uma vantagem, na medida em que, por meio da saliva, alcalinizamos a mistura ingerida e digerimos mais eficientemente;
  • Quando aquecer a sopa feita num dia anterior, escalde numa água fervente, à parte, uma mão cheia de hortaliça; verá como revitaliza a sua sopa aumentando-lhe frescura e vitalidade!
  • À noite, coma sopas mais densas; modere a quantidade de líquido antes de ir para a cama.

Cozinhar em casa pode ser rápido e fácil, mas “há dias e dias”. A ideia não é a de que se alimente à base de sopas, obviamente, mas que encontre uma oportunidade neste património vivo em estado líquido que tão bem nos faz no início das refeições e tanto jeito nos dá sob forma de um jantar mais improvisado de última da hora. Explore possibilidades!

Aprenda com o mundo que a rodeia e deixe que ele a inspire a cozinhar a sua independência. Mesmo nos dias mais difíceis, há sempre algo que podemos fazer e tudo pode ser uma sopa!

Bom ano!

Paula Azevedo é consultora, professora e chef de Macrobiótica. Para mais informações, contactar através do e-mail p.narciso.azevedo@gmail.com.

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