Saúde

Tudo o que tem de saber sobre um AVC

Entre fatores de risco modificáveis e os que não se podem alterar, o AVC continua a vitimizar muitos portugueses e é a rapidez de ação que dita as consequências desta doença.

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Tudo o que tem de saber sobre um AVC Tudo o que tem de saber sobre um AVC
© Getty Images
Rita Caetano
Escrito por
Mar. 03, 2021

O acidente vascular cerebral (AVC), que ocorre quando o cérebro fica privado de oxigénio, é a principal causa de morte e também a principal causa de morbilidade em Portugal, e a Organização Mundial do AVC estima que uma em quatro pessoas irá sofrer um ao longo da vida.

Após o início dos sintomas, a pronta intervenção é essencial para que a vida seja salva e as incapacidades sejam as menores possíveis. Os chamados três F (falta de força num braço, desvio da face e dificuldade na fala) são os sinais aos quais todos devem estar atentos.

Fatores de risco

Homens e mulheres correm o mesmo risco de vir a ter um AVC? Miguel Soares Rodrigues, neurologista da Clínica CUF Almada, diz-nos que é uma doença “mais frequente nos homens desde as idades mais precoces até perto dos 65 anos. Nessa altura, a diferença começa a ser menor e, acima dos 85 anos, é mais frequente nas mulheres”.

Os fatores de risco são vários, sendo que alguns, como explica o médico especialista em Neurologia, “não se podem modificar, como a idade, ser do sexo masculino, história prévia ou familiar de AVC e ter a chamada enxaqueca com aura”.

Mas outros podem-se alterar, caso “da hipertensão arterial, responsável por quase metade dos casos, seguindo-se, por ordem de importância, a falta de exercício físico, aumento dos níveis de colesterol no sangue, dieta inadequada, obesidade, fatores psicológicos e sociais, tabagismo, arritmias, consumo de álcool e diabetes”, enumera o neurologista.

No entanto, Miguel Soares Rodrigues acredita que “é importante reconhecer que estas causas não são independentes entre si. Uma dieta adequada e a realização regular de exercício físico melhoram a hipertensão, colesterol, obesidade e diabetes, diminuindo o impacto dos outros fatores de risco”.

Olhando novamente para as diferenças de género, as mulheres têm ainda como fator de risco acrescido “o uso da pílula ou de hormonas após a menopausa”, salienta o nosso entrevistado, realçando que “estudos mostram também que é mais frequente terem como causa do AVC um problema cardíaco, nomeadamente a arritmia chamada fibrilhação auricular. Também é mais frequente terem enxaqueca, que é um fator de risco de AVC nos adultos jovens”.

Os estudos mostram que as mulheres podem ter sintomas mais difíceis de diagnosticar porque são menos sugestivos de AVC, como alteração da consciência ou dor associada a outras queixas do AVC – Miguel Soares Rodrigues, neurologista

Dois tipos de AVC

O AVC pode ser isquémico ou hemorrágico, sendo que este último se divide em hemorragia cerebral e hemorragia subaracnoideia.

“No isquémico, há artérias que ficam bloqueadas e uma parte do cérebro fica sem circulação de sangue, com a consequente morte das células e perda da sua função. Na hemorragia cerebral, há rutura de uma ou mais artérias, com saída de sangue que vai causar lesão aos tecidos e, se for de grandes dimensões, pode aumentar a pressão dentro do crânio com maior risco de morte. Na hemorragia subaracnoideia, que é muitas vezes causada pela rutura de um aneurisma, há saída de sangue para o espaço que envolve o cérebro. Se não for parada, essa acumulação pode levar à morte em pouco tempo”, explica Miguel Soares Rodrigues.

O AVC afeta várias partes do sistema nervoso e as consequências são diferentes consoante o lado do cérebro (hemisfério cerebral), a parte do mesmo órgão afetada (lobos cerebrais ou a parte mais profunda) ou outros órgãos do sistema nervoso.

Sintomas diferentes

No caso de ser atingido o hemisfério cerebral esquerdo, refere Miguel Soares Rodrigues, “os sintomas mais comuns podem ser fraqueza ou paralisia, perda de sensibilidade – as três do lado direito do corpo –, problemas com a fala, dificuldade de leitura ou escrita e em fazer cálculos ou organizar, raciocinar e analisar itens”.

Se for o hemisfério cerebral direito, como diz o nosso entrevistado, pode surgir “fraqueza ou paralisia do lado esquerdo do corpo, bem como perda de sensibilidade do mesmo lado, incapacidade de perceber a falta de força ou sensibilidade, dificuldade de perceção de profundidade ou direções ou incapacidade de localizar ou reconhecer partes do corpo”. Já as alterações de comportamento, problemas de memória, voz enrolada e alterações de visão podem acontecer com lesões do lado direito ou esquerdo do cérebro.

Quando o AVC acontece no cerebelo, “observa-se desequilíbrio no andar e problemas de coordenação, tonturas ou vertigem, dificuldade de articulação verbal, náuseas e vómitos. Por fim, se ocorre no tronco cerebral, verifica-se dificuldade de equilíbrio e coordenação, visão dupla e/ou desalinhamento ocular, alteração do diâmetro e reação à luz das pupilas, alteração das pálpebras, alteração de sensibilidade da face, fraqueza ou paralisia dos músculos da face, dificuldade em mastigar, engolir ou falar, desvio da língua, falta de força ou sensibilidade de um lado ou dos dois lados do corpo e, em casos graves, coma”, descreve Miguel Soares Rodrigues.

A longo prazo, pode surgir a depressão pós-AVC como reação às modificações físicas e incapacidade – Miguel Soares Rodrigues, neurologista

As possíveis complicações

A sintomatologia é a mesma em ambos os sexos. “No entanto, os estudos mostram que as mulheres podem ter sintomas mais difíceis de diagnosticar porque são menos sugestivos de AVC, como alteração da consciência ou dor associada a outras queixas do AVC. Igualmente, por terem mais vezes AVC de causa cardíaca, podem ter sintomas mais graves desde o início”, explica o neurologista.

O AVC tem consequências para quem o sofre, que são, de acordo com Miguel Soares Rodrigues, agravamento do AVC inicial ou um novo, podendo o doente ficar mais incapacitado ou mesmo morrer devido a complicações de outros órgãos do corpo.

“É comum haver infeções, sejam respiratórias ou urinárias. Podem acontecer crises de epilepsia, na fase inicial ou mais tarde, já com o AVC estabilizado. Também é comum surgirem ou piorarem arritmias ou outros problemas cardíacos, alterações nas análises do sangue como nos níveis de sódio ou potássio, úlceras de pressão (escaras), tromboses das veias das pernas por causa da imobilização na cama, contraturas dos músculos e dor, principalmente no ombro do lado afetado pela falta de força”, acrescenta Miguel Soares Rodrigues.

“A longo prazo, pode surgir a depressão pós-AVC como reação às modificações físicas e incapacidade”, elucida o neurologista, que acrescenta ainda que “é importante conhecer estas complicações porque podem ser tratadas ou prevenidas”.

Os tratamentos

De acordo com o neurologista Miguel Soares Rodrigues, o tratamento do AVC na sua fase inicial (chamada fase aguda) pode ser dividido em três principais intervenções.

Internamento numa unidade de AVC: são áreas exclusivamente dedicadas ao tratamento de doentes com acidente vascular cerebral.

Trombólise: consiste na administração de um medicamento nas veias para dissolver o coágulo. Deve ser administrado dentro de quatro horas e meia após o início dos sintomas. Apesar dos seus benefícios, existe o risco de a trombólise causar hemorragia no cérebro.

Trombectomia: envolve a inserção de um dispositivo numa artéria na virilha, movendo-o até perto do cérebro para arrastar o coágulo para fora. Só funciona nos doentes em que o coágulo sanguíneo está numa grande artéria.

Pode ser feita juntamente com a trombólise e deve ser realizada até seis horas após o início do AVC e, em alguns casos, até às 24 horas. Pode ter um grande impacto nos doentes, reduzindo a incapacidade.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 248, fevereiro de 2021.

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