Sociedade

Sonho ou pesadelo? Conheça a história do plástico

Nem com ele, nem sem ele. O plástico é como algumas paixões turbulentas que chegam e revolucionam a nossa vida, deixando-nos a braços com dilemas difíceis de resolver. Refletimos sobre o papel deste material controverso que nasceu como promessa revolucionária e se tornou um tormento ambiental.

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Sonho ou pesadelo? Conheça a história do plástico Sonho ou pesadelo? Conheça a história do plástico
© GRAFISMO: SARA MARQUES/ © imaxtree
Escrito por
Mai. 15, 2023

Moldável, resistente, barato, o plástico não é Deus, mas está em todo o lado. Meias de nylon, roupa, cortinas, visores de aviões, capacetes, peças automóveis, brinquedos, móveis, tupperwares, materiais de construção, aparelhos médicos, teclados de computador, leitores de DVD… tudo o que nos parece atualmente tão banal não tem mais do que 150 anos e só foi possível graças à invenção do primeiro plástico sintético pelo químico belga Leo Baekeland.

Em 1907, ele criou a baquelite, um material duro e resistente que podia ser moldado em várias formas e cores e que foi o primeiro plástico termoendurecível, ou seja, um material que, uma vez moldado, não pode ser derretido ou remodelado novamente.

O primeiro objeto construído com este material inovador foi um telefone – uma ideia de Thomas Edison para substituir a madeira e o metal usados até então.

A seguir à baquelite surgiram novos compostos com qualidades distintas e potencial igualmente revolucionário, como o polietileno (1933), o PVC (1920) e o poliéster (1941), que se tornaram uma alternativa popular e versátil para muitos materiais naturais, sendo amplamente utilizados em muitos sectores da economia, nomeadamente a guerra.

Outro exemplo de uma solução que se tornou um problema é o aparecimento do plástico descartável em 1909

A substituição da seda no tecido dos paraquedas foi uma das primeiras utilizações do poliéster, mas este rapidamente chegou à indústria têxtil, quando a empresa norte-americana Dupont comprou a patente e produziu o primeiro fato masculino com este material, em 1951.

“Basta lavar e usar”, rezava a publicidade da altura. Foi um sucesso, claro. Fácil de secar e de lavar, sem encolher ou amarrotar. Fácil de estampar e ainda mais de produzir, o poliéster era o santo Graal da praticidade, equivalente à máquina de lavar loiça ou ao esquentador.

Num artigo de 1951, a revista Life descrevia-o como uma fibra ‘milagre’ que iria revolucionar a indústria da moda – não estavam enganados.

Nos anos 60, o material era um símbolo de modernidade e progresso. Havia um senso de entusiasmo e excitação difícil de conter. “Poliéster, o tecido de amanhã”, “Poliéster vai a todo o lado”, “Tecidos fáceis de cuidar para uma vida fácil de cuidar” ou “Poliéster, o tecido da moda” eram alguns dos slogans publicitários da altura a piscar o olho às donas de casa fartas do ferro de engomar.

© Getty Images

Alta-costura de plástico

A versatilidade do poliéster fazia dele o material ideal para criar estampas ousadas que se tornaram uma marca registada da moda dos anos 1960.

E muitos designers famosos, incluindo Yves Saint Laurent, Paco Rabanne e Diane von Furstenberg, incorporaram
este material nas suas coleções.

As criações de Saint Laurent, com estampas gráficas ousadas, bainhas mais curtas e estilos mais jovens, ajudaram a definir o visual da década.

Também eram os tempos da corrida espacial e da chegada do Homem à Lua, e o jovem designer Paco Rabanne lançava duas coleções futuristas cheias de plástico – a Twelve Experimental Dresses, de 1964, e a Twelve Unwearable Dresses in Contemporary Materials, em 1966, transformaram o estilista num ícone do estilo.

Apesar de ninguém querer usar um conjunto de vestidos feitos de discos de plástico ligados uns aos outros por anéis de metal, toda a gente achou o máximo. Mary Quant – que ficou para a História pela invenção da minissaia – lançou nesta altura uma linha de calçado (Quant Afoot) composta por uma grande variedade de botas e sapatos em PVC.

Outro marco foi o célebre vestido envelope de Diane von Furstenberg. Feito de um tecido de seda com poliéster, tinha um corte que permitia um ajuste perfeito em mulheres de todas as formas e tamanhos.

Tornou-se inclusivamente símbolo do movimento feminista dos anos 70 por permitir às mulheres ter um aspeto elegante e profissional, e simultaneamente confortável e prático.

O vestido era tão popular que Furstenberg terá dito que tinha criado “a coisa mais importante desde a pílula”. Não é preciso ir tão longe, mas é certo que o plástico, em geral, e o poliéster, em particular, tiveram um papel determinante na evolução da moda.

E, mesmo quando a popularidade do poliéster começou a diminuir, na década de 1980, altura em que as tendências
da alta-costura rejeitaram as artificialidades dos anos 1980 e se voltaram para as fibras naturais, o seu uso nunca mais baixou e o poliéster continuou a reproduzir-se incessantemente, de mãos dadas com as empresas de fast fashion, até hoje.

Regresso ao futuro

Nos desfiles de moda, em 2018, o plástico foi um material em destaque, com algumas marcas a experimentar criar com plásticos reciclados e outros materiais sustentáveis.

Muitos designers usaram o plástico em vestidos transparentes, saias e blusas plissadas e capas de chuva coloridas.

A Chanel transformou o Grand Palais, em Paris, numa praia e apresentou peças de PVC transparente e botas de plástico.

Outras marcas, como Prada, Balenciaga e Givenchy, também utilizaram o plástico de forma criativa em botas, carteiras, casacos e vestidos.

© imaxtree

Uma inovação que virou problema

Não deixa de ser irónico que um material que foi usado inicialmente com a ideia de poupar recursos naturais, como o marfim ou a goma-laca, utilizados no fabrico de escovas, pentes, botões ou vernizes de móveis, se tornasse tão rapidamente ele próprio um problema.

Derivado maioritariamente do petróleo, um recurso também ele finito, o plástico tem longa vida útil e pode levar centenas de anos para se decompor, poluindo o meio ambiente e representando um risco para a vida selvagem e humana.

O seu baixo custo ajuda a que seja produzido em massa, alimentando uma cultura de obsolescência programada e de desperdício – um fator-chave na crise ambiental que o mundo atravessa.

De acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), a produção mundial de plástico atingiu 368 milhões de toneladas em 2019, número que deve aumentar para cerca de 400 milhões de toneladas até 2030.

O uso único aliado à baixa taxa de reciclagem é um dos seus maiores problemas. A taxa de reciclagem dos sacos de plástico, por exemplo, ronda os 9%, estimando-se que, em 2050, haja cerca de 12 milhões em aterros.

Nos oceanos já existe uma camada de milhões de resíduos, chamada plastisfera, com um habitat microbiano novo de repercussões ainda largamente imprevisíveis.

“Inventámos algo maravilhoso, até ao ponto em que atinge um extremo. E aí o ciclo para e temos de procurar novamente uma alternativa”, explicava ao jornal Público Annina Koivu, curadora da exposição do MAAT.

O problema é tão grave que, em 2022, numa sessão paralela da Conferência dos Oceanos, em Lisboa, ficou de se ultimar um tratado mundial para o plástico, a ficar pronto até 2024.

Até lá, vamos tentando minimizar o problema aumentando as metas de reciclagem. Processar o plástico para produzir pellets de polietileno reciclado é uma das soluções mais recentes, mas, a longo prazo, produzir menos plástico novo – sobretudo de uso único – é a única solução sustentável.

Como sempre, há quem resista. Na Índia, uma das maiores empresas produtoras de poliéster do mundo, a Reliance Industries Limited, anunciou, em 2018, a intenção investir 634 milhões de euros em negócios de petroquímica nos próximos cinco anos para expandir a produção de poliéster e outros produtos químicos derivados do petróleo, como o vinil.

Apesar disso, convém não baixar os braços. Numa lógica de economia circular, todos os materiais deverão circular o máximo de tempo possível no seu máximo valor.

Os modelos de negócio do futuro – que devemos começar a sonhar e a imaginar hoje – deverão procurar este olhar em vez de se focar em reciclar.

Joias de plástico

A baquelite – o primeiro plástico sintético criado em 1907 – foi muito valorizada como um material para joias durante o período art déco, na década de 1930.

Na altura, os joalheiros viram neste material um potencial incrível para criar peças de bijuteria ousadas e coloridas que são, até hoje, peças de coleção bastante valiosas.

© imaxtree

Coco Chanel e Elsa Schiaparelli criaram joias a partir desta resina sintética que eram altamente valorizadas pela combinação única de beleza, durabilidade e inovação.

Uma das peças de joalharia de baquelite mais valiosas e conhecidas é a Pulsera de Serpiente da Cartier, uma serpente de ouro amarelo com diamantes e esmeraldas, cercada por uma faixa de baquelite preta que foi vendida em leilão por mais de 500 mil dólares, em 2010.

Atualmente, algumas marcas de luxo contemporâneas também não desdenham o uso de de materiais plásticos nas suas coleções de joias.

É o caso da Dior, que, em 2017, criou uma linha de joias, a Dior Tribales, feita em acetato de celulose, um plástico com uma aparência semelhante à de uma pedra preciosa.

Mas ao contrário da baquelite, que não é biodegradável, o acetato de celulose é biodegradável e pode ser facilmente reciclado.

Desde então, a Dior lançou outras coleções de joias em acetato de celulose, incluindo a coleção Dior Colorama, em 2019.

Exposição Plástico: Reconstruir o Nosso Mundo

Dividida em três secções, a exposição patente no MAAT pode ser vista até agosto e oferece uma visão global do plástico, desde a sua relação com a Natureza até à experimentação com materiais sintéticos de meados do século
XIX, passando pelo crescimento da indústria petroquímica.

A exposição termina com um balanço dos atuais esforços para repensar o plástico, desenvolver alternativas, reduzir a sua produção e consumo e promover a sua reutilização.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº275, maio de 2023.

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