Sociedade

Matthew Williams: “Todos nós podemos ser haters”

Durante a sua investigação, Matthew Williams descobriu que não há diferenças biológicas entre quem comete um crime de ódio e quem não o faz. A diferença está nas experiências vividas e na escolha: “Da mesma forma que podemos escolher odiar podemos decidir não o fazer”.

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Matthew Williams: “Todos nós podemos ser haters” Matthew Williams: “Todos nós podemos ser haters”
© ALBERT PAMIES
Rita Caetano
Escrito por
Jul. 20, 2022

Tinha o sonho de ser jornalista, mas um crime de ódio mudou o rumo da sua vida. Tudo aconteceu à porta de um bar gay em Londres, no final dos anos 90, onde tinha ido festejar com amigos o final da época de exames.

Saiu para ir fumar e um indivíduo aproximou-se para lhe pedir lume. Nem teve tempo de agarrar no isqueiro, surgiram mais dois e, em poucos segundos, foi agredido com um soco e insultado pela sua orientação sexual.

Desde aí, tem-se dedicado a estudar o ódio e os crimes que dele resultam e é considerado um dos maiores especialistas do mundo em formas contemporâneas de ódio e cibercrime.

Professor de Criminologia na Universidade de Cardiff e diretor do HateLab (um centro de dados sobre discurso de ódio e os crimes), Matthew Williams conversou connosco sobre a linha ténue que separa o preconceito e o ódio, tema do seu livro A Ciência do Ódio (Contraponto).

a ciência do ódio

A Ciência do Ódio (Contraponto) 20,90€

Entrevista: Matthew Williams

A guerra na Ucrânia tornou ainda mais relevante o tema do seu livro, pois se há períodos em que o ódio prospera são os conflitos.

Sem dúvida. Comecei a pensar no livro por causa do Brexit e da eleição de Trump, depois veio a pandemia, que trouxe consigo o ódio contra os asiáticos, e achei que era o momento certo para o escrever. Agora, temos a Ucrânia. Quanto mais instabilidade houver, mais ódio se gerará. Tudo o que destabiliza e cria stresse tende a ser seguido por um período de intenso preconceito e de aumento dos crimes de ódio.

Como se combate isso?

Durante a guerra é muito difícil, há muito sofrimento, mas é importante que apoiemos as pessoas que estão a passar por ela. Mas o combate tem de começar antes das crises. Começa nas escolas, sobretudo antes dos 11 anos.

Os estudos mostram-nos que, quanto mais convivermos com pessoas diferentes de nós (de outra raça, de outro género, de outra religião ou de uma orientação sexual diferente da nossa), mais tolerantes seremos, porque deixamos de ver a diferença como uma barreira. A mistura social reduz o preconceito, porque acaba com os estereótipos negativos e faz com que percebamos que somos todos iguais, mesmo sendo de outra cor, sexo ou religião.

As redes sociais facilitaram o ódio?

No livro, chamo às redes sociais acelerador. Existem vários, mas as redes sociais são um marco diferenciador em relação ao passado.

Quando me perguntam se há mais ódio hoje, tenho dificuldades em responder, no entanto, a velocidade com que o ódio se espalha atualmente é muito maior. É difícil escapar-lhe quando estamos numa rede social.

Anteriormente, se fôssemos vítimas de ódio no pátio da escola, em casa sentíamo-nos seguros; hoje, vai connosco para todo o lado, o que pode ser traumático.

Com a tecnologia que temos hoje, um novo Hitler seria devastador – Matthew Williams, professor de Crimonologia

Têm um efeito ampliador?

Claro e, para muitos utilizadores, especialmente os mais jovens, essa constância pode ser traumática. Mas há outros aspetos importantes nas redes sociais que são os algoritmos. Estes alimentam os nossos preconceitos, porque toda a pesquisa que fazemos tende a refletir o que gostamos.

Tornamo-nos uma commodity, ou seja, somos vendidos e o pior de nós é refletido na informação que nos chega através de posts e das pesquisas no Google. É como se os nossos preconceitos fossem validados e torna-se um círculo vicioso.

Isso já me aconteceu. Como cientista, queria perceber como é que os antivacinas construíam o seu discurso e comecei a ver vídeos no TikTok e, de repente, só tinha sugestões sobre o tema… Só consegui sair deste loop cancelando a conta.

As redes sociais deviam ser controladas?

São difíceis de controlar. Os algoritmos são desenhados para serem caixas negras e funcionam para estarmos agarrados às redes sociais, apresentando-nos a informação que acham que queremos ver e que, com o tempo, se torna cada vez mais extremista.

Na época das redes sociais, um ditador como o Hitler teria ainda mais impacto?

Sem dúvida. Imaginem o Joseph Goebbels com redes sociais. Com a tecnologia que temos hoje, um novo Hitler seria devastador. Por exemplo, o Facebook teve um papel determinante no genocídio dos rohingyas em Myanmar porque ajudou a demonizar esta minoria. Não havia literacia em redes sociais no país e as pessoas acreditaram em tudo o que viam sem questionar.

A forma de ódio que mais vemos nas redes sociais é a misoginia, que supera o racismo e a homofobia. Para mim, é muito preocupante que, ainda hoje, o sexismo seja a forma mais relevante de preconceito – Matthew Williams, professor de Crimonologia

O Meta permite “discursos violentos que mencionassem a morte aos invasores russos”. Como é que vê essa situação?

O que temos visto é um aumento de discurso contra os russos no geral e é triste, porque não foi o povo que decidiu a invasão. Na altura dos atentados do Estado Islâmico, que levaram ao aumento do ódio contra os muçulmanos, as autoridades alertaram para esse facto, agora não estão a fazê-lo.

Tenho alunos russos que estão a sofrer abusos nas redes sociais e nem querem falar por causa do sotaque. É preciso afirmar veementemente que esta não é uma guerra dos russos, mas de um homem. No que diz respeito ao Putin, não se pode agir como ele tem agido e esperar ser respeitado no mundo.

No livro diz que aprendemos a odiar. O que faz as pessoas odiarem?

Nascemos sem preconceitos e sem ódio, mas com a capacidade de odiar. É inquestionável que todas as pessoas têm preconceitos e, se o negarmos, estamos a mentir a nós próprios. Não temos capacidade para absorver toda a informação sobre todos os grupos e, por isso, criamos estereótipos negativos e preconceitos.

Contudo, podemos decidir o que fazer com esses preconceitos, podemos afastarmo-nos deles e suprimi-los. Um dia depois dos atentados em Londres, ao entrar no metro, vi um asiático com uma mochila e o meu primeiro pensamento foi que era uma bomba, mas estava simplesmente a ser preconceituoso.

O preconceito afasta-nos de outras pessoas; já o ódio é basicamente um preconceito que foi nutrido e que leva a uma atitude, a um crime.

Todos nós podemos ser haters, mas, da mesma forma, podemos escolher não odiar – Matthew Williams, professor de Crimonologia

Os haters são pessoas normais?

Sim. Quando fui atacado por ser gay, achei que era muito diferente das pessoas que me atacaram e que haveria diferenças biológicas cerebrais que os fariam sentir ódio, mas, na minha jornada profissional, descobri que se tivesse crescido na comunidade deles, se tivesse experienciado coisas que eles viveram ou sido exposto à religião de forma diferente, poderia cometer crimes de ódio.

Todos nós podemos ser haters, mas, da mesma forma, podemos escolher não odiar. Eu próprio fui homofóbico e tinha vergonha de ser gay.

Cresci numa pequena vila no País de Gales, com uma cultura masculina muito vincada, e sabia que se assumisse a homossexualidade a minha vida tornar-se-ia um inferno. Claro que, depois, consegui reprogramar-me e a vergonha deu lugar ao orgulho.

Mas é um processo difícil?

Muito difícil e desconfortável. Temos de estar comprometidos e conhecermos bem o nosso preconceito. Cresci nos anos 70 e 80, quando havia uma cultura de racismo e de homofobia.

Felizmente, hoje, as coisas estão diferentes e o meu sobrinho de 10 anos está a crescer numa sociedade mais tolerante. Na Europa, estamos mais atentos ao ódio e isso deve-se sobretudo à II Guerra Mundial. Mas ainda há muito por fazer.

Até porque a extrema-direita está a crescer por todo o Velho Continente.

Sim, e, por isso, digo que é um trabalho inacabado. Não é preciso muito para que um país dê um passo atrás. Quando temos problemas como a covid-19, uma guerra, uma crise financeira (que iremos enfrentar novamente), a extrema-direita capitaliza os temas fraturantes para crescer, instigando o medo.

Em Portugal, por exemplo, assiste-se à demonização dos ciganos assente em mentiras e desinformação.

Receia o futuro?

Estou mais preocupado com as alterações climáticas do que com o ódio, até porque aquelas vão criar escassez e esta gera ódios. Mas eu vejo sempre o copo meio cheio, caso contrário não poderia estudar este tema, seria deprimente. A maior parte dos seres humanos são decentes e boas pessoas.

O que é para si saber viver?

É amar mais e odiar menos. Não podemos dar nada por garantido e temos de ser críticos das narrativas que instigam o ódio. Além disso, é preciso apostar na educação das crianças e na literacia sobre as redes sociais, isto pode salvá-los.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 263, maio de 2022.

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