Saúde

Saber Viver é... Investir na saúde mental

Já muito descobrimos, errámos, aprendemos, desaprendemos. Os clichés são verdade; a grande jornada da vida escreve-se certa por linhas tortas e, nestes 20 anos de existência, muito temos discorrido no papel (e online) sobre a forma como escolhemos viver a vida.

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Saber Viver é... Investir na saúde mental Saber Viver é... Investir na saúde mental
© GRAFISMO: SARA MARQUES/ © pexels
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Out. 19, 2022

‘Dentro do meltdown de Britney’. ‘Britney arrasada por coach de parentalidade.’ ‘O drama suicida de Britney!’ ‘Quando irá para a reabilitação novamente?’ Há um meme que circula impresso em canecas de pequeno-almoço e T-Shirts que diz que, se Britney Spears sobreviveu ao ano de 2007, então nós também conseguiremos lidar com este dia, mas a verdade reside muito longe da piada.

O ano em que se tornou claro o sensível estado mental da cantora perdurou, de certa forma, quase até aos dias de hoje, não tivessem os movimentos #freebritney criado pressão para novas audiências em tribunal.

Movido por uma geração que está a aprender a não associar doenças mentais a palavras como ‘louca’ ou ‘incapaz’, a estrela da pop reconquistou parte da sua liberdade –, mas e nós, estamos libertos do estigma?

Estamos mais despertos para o que significa ser uma celebridade, mas e sobre ser-se humano? Quase 15 anos depois, é assustador pensar que por esta altura a MTV publicava uma timeline da ‘espiral de loucura’ de Britney e mesmo com o sofrimento sendo explícito, as câmaras continuaram a rolar.

400 mil é o número de portugueses a sofrer de depressão

A luz ainda está ligada: apesar de cada vez mais celebridades usarem o seu lugar de destaque para trazer a atenção para temas relacionados com saúde mental (de Selena Gomez a Oprah Winfrey, um pouco por todas as áreas há alguém a falar sobre as suas lutas internas), o estigma continua a ser visível a olhos vistos e fora da red carpet as doenças mentais florescem de forma mais ou menos silenciosa.

Sabia que é 400 mil o número de portugueses a sofrer de depressão? Por muito que os posts sobre ansiedade e self-care se multipliquem pelo Instagram, até onde é que a nossa conversa sobre saúde mental está efetivamente a surtir efeitos?

A psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva nota que, desde o momento em que ingressou na faculdade – em 2002 – até hoje, as mudanças são assinaláveis e passam por várias frentes: um maior respeito pela ciência psicológica, uma maior divulgação da informação, a humanização dos profissionais da área e uma valorização por parte das organizações de trabalho sobre a saúde mental dos seus colaboradores.

No entanto, tal como muito evoluiu, “muito falta evoluir”, frisa a psicóloga numa lógica de “mais prevenção e menos reatividade”. “O que me preocupa é o ritmo das necessidades e a proliferação de desafios não ser proporcional ao ritmo das mudanças e de não precisarmos de mais informação para darmos os saltos evolutivos necessários, precisamos sim de mudança de mentalidade e de priorização.”

Consultar um profissional de psicologia não é algo acessível a todos, basta uma conta de matemática simples entre o salário mínimo português e os valores de uma hora de terapia

Consultar um profissional de psicologia continua a não ser algo acessível a todos, bastando uma conta de matemática simples entre o salário mínimo português e os valores de uma hora de terapia.

Também é fundamental melhorar a cooperação com os profissionais de medicina e saúde, que muitas vezes não referem o apoio psicológico ou chegam a desaconselhar a psicoterapia.

Por último, para a psicóloga, os órgãos de poder continuam a não contemplar os saberes da ciência psicológica e do comportamento humano na grande maioria das políticas públicas e de decisões estratégicas.

Dados divulgados pela OMS neste passado mês de agosto apontam a depressão como a doença mais comum do mundo em 2030 e também aquela que mais gerará custos económicos e sociais para os governos. “Investir na educação para a saúde e para a cidadania e promover saúde mental é a resposta a muitos dos problemas atuais.”

Ir para fora, dentro de nós

Ter “espaço para respirar” foi eleita a tendência de viagens do ano, escrevia a Forbes, em fevereiro de 2021, e continuamos à procura de novos fôlegos.

Destinos remotos, hotéis nos quais se ouça mais o barulho das árvores do que o tilintar dos copos, conhecer a cozinha dos locais mais do que os restaurantes turísticos, descobrir experiências que nos ponham em contacto com as nossas origens – as preferências dos viajantes nos últimos anos provam que a Natureza é o novo luxo (e há muito luxo também a nascer entre a Natureza, diga-se de passagem).

Das tendas que nos permitem adormecer a ver o céu estrelado aos retiros de meditação, férias passaram a ser também sinónimo de prolongamento do desenvolvimento pessoal por onde escapamos semanalmente nas consultas de terapia.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 268, outubro de 2022.

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