Saúde

Crónica. Pobreza menstrual: por que é preciso continuar a falar disto?

Aprenda a Saber Viver sem tabus. Todos os meses, a sexóloga Vânia Beliz promete falar abertamente sobre sexualidade, com o propósito de desmistificar questões associadas ao sexo e à intimidade, e para a fazer pensar e refletir sobre temas que podem, mesmo, mudar a sua vida.

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Crónica. Pobreza menstrual: por que é preciso continuar a falar disto? Crónica. Pobreza menstrual: por que é preciso continuar a falar disto?
© Shutterstock
Vânia Beliz, cronista
Escrito por
Mai. 08, 2021

O termo pobreza menstrual parece chocar muitas pessoas, que afastadas da realidade em que vivem milhões de meninas e mulheres no mundo, acham o tema pouco importante ou relevante.

Falar de pobreza menstrual ultrapassa as questões das dificuldades económicas para adquirir produtos de higiene, remete para temas importantes e que são um direito de todos e todas: o saneamento, o acesso à água e, claro, o acesso a menstruar com dignidade, sem sermos privadas de entrar em determinados locais, de cozinhar ou de fazer a nossa vida.

Se nos disseram que a pandemia nos iria melhorar, fico com sérias dúvidas quando, sobre uma notícia de disponibilização de produtos de higiene, surgiram tantos dedos apontados. E pior, de mulheres.

Quem menstrua sabe bem o desconforto que existe quando nos sentimos sujas, o que é ir a uma casa de banho onde não há água no autoclismo, de nos esquecermos de um penso e ter de enrolar papel nas cuecas, quando existe, até chegar a um lugar seguro.

Talvez também não reconheçam a aflição das meninas nas escolas, sem terem casas de banho adequadas e sem saber com quem conversar.

Em Portugal, 16,6% das mulheres referiu ter dificuldade económicas em adquirir produtos de higiene
Vânia Beliz Vânia Beliz

Em Portugal, num estudo que realizamos em maio  (Beliz e Anastácio 2020), 16,6% das mulheres referiu ter dificuldade económicas em adquirir produtos de higiene. Sendo que metade da amostra corresponde a mulheres jovens e com grau académico superior, acho que temos motivo para nos preocupar. A informação que damos sobre a temática é também ela pobre.

Nas escolas, o ciclo menstrual não é praticamente abordado, apesar das orientações internacionais remeterem estes temas para os currículos. Há muito a fazer!

Quando mergulho nas redes sociais, apercebo-me de como cada pessoa está cada vez mais preocupada nos assuntos que lhes dizem respeito sublimando o dos outros. Este desinteresse perpétua o silêncio à volta de muitos temas e a menstruação é um deles.

Todas as propostas que promovam o bem-estar das mulheres são importantes. Sejam tampões, pensos, copos, etc. Quanto mais sustentáveis, melhor. Mas precisamos que se ensine sobre isso, que se fale da menstruação sem vergonha, sem ser do Benfica, do Chico, das Primas de Moura ou da História.

Não podemos continuar a permitir que “aqueles dias” nos impeçam de ter uma vida normal. A dor não é normal e não pode ser minimizada.

Que venham mais movimentos e iniciativas para o fim da pobreza menstrual e que, um dia, acordemos com a certeza de que menstruar não limita ninguém.

Vânia Beliz licenciou-se em Psicóloga Clinica e da Saúde. Mestre em Sexologia e doutoranda em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil, na Universidade do Minho, participa em projetos no âmbito dos Programas de Educação para a Saúde (PES) e o Projeto de Educação Sexual “A viagem de Peludim”, para crianças. É autora do livro Ponto Quê?, sobre a sexualidade feminina, e de Chamar As Coisas Pelos Nomes, dirigido às famílias sobre como e quando falar sobre sexualidade.

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