Bem-estar

Crónica. Meditar para ser feliz, aqui e agora

A meditação ajuda-nos a controlar a divagação mental e aumenta o nosso bem-estar. A Neurociência já o provou: viver o presente muda a forma como o cérebro funciona e ajuda-nos a viver melhor.

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Crónica. Meditar para ser feliz, aqui e agora Crónica. Meditar para ser feliz, aqui e agora
© Getty Images
Sara Midões
Escrito por
Mai. 15, 2020

*Acompanhe mensalmente a jornada de uma marketeer a aprender a ciência da felicidade.

Quando fiz o meu curso de introdução à meditação, o professor usou uma imagem para explicar os benefícios desta prática.

Imagine que estica o braço de lado à altura do ombro, palma da mão para cima, a segurar uma pequena pedra. Se for por uns breves segundos, não custa nada. Se for por um minuto, já custa mais. Se for por dez minutos, a pedra torna-se um pedregulho e o peso fica insuportável.

O braço é a nossa mente e a pedra os nossos pensamentos. A meditação permite baixar o braço por momentos, aliviar a mente, deixar de sentir o peso dos pensamentos. Quando retomamos a posição, tudo é mais leve, renovado, consciente.

A divagação e a ruminação mental têm associados efeitos negativos ao nível do bem-estar
Sara Midões Sara Midões

Em todos nós, a mente vagueia sem controlo e isso acontece em média, segundo um estudo de 2010, em 47% do tempo em que estamos acordados e em 30% do tempo em que estamos envolvidos em tarefas específicas.

Pulamos de pensamento em pensamento (e de emoção gerada em emoção gerada) a um ritmo constante e sem relação com o que estamos a viver no momento.

Se os pensamentos são repetitivos, compulsivos, sobre algo que aconteceu, a esse fenómeno dá-se o nome de ruminação mental.

Mastigamos o tema, não o largamos, uma e outra vez, e não conseguimos controlar esse processo. A divagação e a ruminação mental têm associados efeitos negativos ao nível do bem-estar.

Como parar de pensar?

Como em tudo na vida – vou chegando à conclusão – a melhor estratégia para contrariar o que se faz não é tentar deixar de o fazer; é fazer algo diferente.

“Não posso comer doces”. Se substituir por “vou comer imensos legumes e inventar novas receitas cheias de sabor”, a perspetiva é totalmente diferente. Também é assim com os nossos pensamentos.

Na meditação substituímos o “não posso pensar” por “vou focar a minha atenção em algo novo, um novo ponto de referência”. Pode ser na respiração, nas sensações corporais, nos sons, numa intenção, na visualização de situações que inspirem emoções positivas, na compaixão pelos outros. Sempre no momento presente.

Para além desta componente de atenção, direção de foco, a meditação inclui outro ingrediente fundamental. Uma atitude aberta, curiosa e despojada de juízos de valor. De aceitação. Porque o que é… é o que é.

Se estou a sentir tristeza, por exemplo, noto que a emoção está lá nesse momento presente e não me movo pelo desejo que desapareça. Simplesmente noto que a estou a sentir. Sinto a diferença da temperatura do ar na inspiração e na expiração. Simplesmente noto.

Noutro momento, noto algo diferente e assim pulamos de atenção consciente em atenção consciente ao invés de pularmos de pensamento em pensamento. É impossível não pensar.

O que podemos fazer quando nos surge um pensamento?

Primeiro, notar que aconteceu. Depois, despojarmo-nos de juízos sobre a existência desse pensamento, esquivarmo-nos a classificá-lo sobre se é bom ou mau, e deixá-lo ir. Desapegar, para de seguida voltarmo-nos a focar no nosso ponto de referência. Novo pensamento surge e novo diálogo interno acontece.

Os passos desta coreografia são subtis, difíceis de assimilar. É preciso persistência. Praticar, praticar, mesmo quando nos pareça que não devemos estar a fazer bem, que não deve ser bem assim.

Um dia damo-nos conta que estamos a conseguir. Para no dia seguinte não conseguirmos novamente. Faz parte. É um processo, uma prática.

Pergunto-me quantos detalhes maravilhosos não perdemos diariamente, quantas oportunidades desperdiçamos sem que nos demos conta
Sara Midões Sara Midões

O esforço compensa

A prática do mindfulness ou da atenção plena tem origem num sistema de práticas associado à filosofia budista, mas foi importado pelo Ocidente para tratamentos médicos e psicológicos há mais de 30 anos e tem sido sistematicamente estudado.

A Neurociência explica que sempre que não estamos concentrados numa tarefa, seja falar, reconhecer imagens, etc., acionamos por defeito a rede cerebral padrão. A mesma rede que é acionada sempre que pensamos no passado ou perspetivamos o futuro.

Isto porque, quando a nossa mente vagueia, e não estamos focados numa determinada tarefa, estamos a pensar em algo que aconteceu, como nos fez sentir, como reagimos, ou no futuro, em algo que temos de fazer ou que ansiamos que aconteça ou não aconteça.

A rede cerebral padrão na verdade é o que nos distingue das outras espécies; é a nossa capacidade de pensar em abstrato, de perspetivar e de inferir. Mas tem um custo emocional se não a controlamos.

Inúmeras evidências mostram os benefícios da meditação, incluindo um aumento do bem-estar (diminuição do stresse, ansiedade e depressão), melhor concentração e maior predisposição para relações interpessoais positivas.

Está ainda associado a ganhos no tratamento de dor crónica, de adições ou de desordens alimentares. Mais recentemente, a ciência provou os efeitos ao nível fisiológico em marcadores como pressão arterial, produção de cortisol, entre outros.

Mas como é possível que uma prática aparentemente tão simples pode ter um efeito tão poderoso? A resposta é simples: muda a forma como o nosso cérebro funciona e responde a emoções negativas.

A técnica da atenção plena pode ser transposta para a forma como vivemos o nosso dia a dia, para a nossa atitude perante a vivência dos acontecimentos.

Pergunto-me quantos detalhes maravilhosos não perdemos diariamente, quantas oportunidades desperdiçamos sem que nos demos conta.

Há anos, quando vi o filme de animação O Panda do Kung Fu – que recomendo vivamente para crianças e adultos -, deliciei-me com um diálogo. Po, o herói do filme, um panda desastrado, seguia os ensinamentos do Mestre Oogway, uma tartaruga ancestral, líder espiritual do Vale da Paz.

Numa das suas conversas, a propósito das divagações de Po sobre as suas inseguranças, o sábio responde-lhe assim: “O passado é história. O futuro é um mistério. O hoje é uma dádiva. É por isso que se chama presente”.

Desembrulhemos, pois, cada dia, cada momento. Aqui e agora.

Saiba mais sobre os efeitos da meditação no cérebro nesta Tedx Talk.

Sara Midões, trabalha em marketing e gestão comercial, e partilhará com os leitores da Saber Viver todas as maravilhas da descoberta da ciência do bem-estar. É mãe de dois adolescentes e praticante convicta de yoga.

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