Beleza

Será que existe um rosto de Instagram? Tentámos descobrir

Numa altura em que lutamos e damos primazia à nossa individualidade e ao que nos torna únicas, assistimos também a um aumento de rostos cada vez mais iguais, influenciados maioritariamente pelas redes sociais.

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Será que existe um rosto de Instagram? Tentámos descobrir Será que existe um rosto de Instagram? Tentámos descobrir
© instagram
Mariana Nave
Escrito por
Mai. 29, 2020

Pele perfeita, com poros pequenos ou sem eles, feições magras mas com o maxilar marcado, maçãs do rosto altas, pestanas demasiado compridas, olhos grandes e rugas, nem vê-las. Estes são os novos traços que caracterizam os rostos de modelos e celebridades em 2020, novas feições que marcam e definem as características da maioria das mulheres que se sujeita a alterações faciais.

São rostos claramente caucasianos mas estranhamente exóticos, definidos por lábios grandes e olhos rasgados. Tal pode ser comprovado no artigo The Changing Face of America, publicado na revista National Gegraphic, no qual se lê que os censos preveem que por volta de 2050 as minorias sejam as maiorias e os rostos cada vez mais mistos, com características antes associadas a determinadas nacionalidades.

É óbvio que o artigo publicado pela National Geographic tem como objetivo denunciar o racismo, discriminação e estereótipos ainda muito presentes no mundo, bem como divulgar o aumento dos casamentos e relações inter-raciais.

Porém, será esse o motivo pelo qual as celebridades são tão parecidas? Ou será que isso advém das expectativas (ainda) irreais impostas pela sociedade? Porque aquilo que temos vindo a assistir são rostos que parecem ter sido esculpidos pelos melhores artistas renascentistas.

2020 marca o início de uma nova década, caracterizada por rostos semelhantes, fortemente influenciados pelo Instagram

Como chegámos até aqui?

O Instagram é uma das plataformas online com maior responsabilidade por esta similaridade de caraterísticas físicas entre a nova geração de mulheres. Aliás, esta rede social que assenta na estética e na partilha de fotografias, acabou por ser a grande responsável pelo fenómeno selfie.

Uma rede social que começou por promover a individualidade, acabou por incentivar a repetição e o sentimento de pertença.

A prova está na página @insta_repeat, que mostra o lado monótono do Instagram. Aqui, vêm-se fotografias publicadas por diferentes perfis, todas muito semelhantes – quer seja pelo o ambiente, posição das pessoas ou até a roupa que usam.

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#FilmsNotDead (obviously)

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Aplicações como o Snapchat, Facetune ou Instagram foram as primeiras ferramentas a permitir-nos alterar as feições do rosto de forma imediata e discreta e que nos permitiram perceber como ficaríamos se aumentássemos ligeiramente os lábios ou injetássemos colagénio nas maçãs do rosto.

O próprio ser humano, de uma forma mais complexa, acabou por ser o primeiro teste do Instagram, isto porque foi o primeiro a sujeitar-se a estas ‘melhorias’, se é que as podemos designar assim.

Apesar de não ser uma novidade – diretores de arte, revistas de moda e agências de publicidade já o faziam –, foi a primeira que vez que se criaram plataformas disponíveis a todos e de fácil acesso.

Corte e costura

Se olharmos para a evolução da cirurgia plástica, não é difícil constatar a sua enorme transformação.

Se há cerca de 20 anos operar o nariz era um procedimento demasiado caro, demorado e evidente, hoje em dia tudo pode ser feito com pequenas injeções de ácido hialurónico, colagénio ou toxina botulínica.

Tanto podemos preencher pequenas rugas, como dar estrutura aos maxilares com resultados que duram, no mínimo, seis meses e a um preço mais acessível do que há duas décadas.

Alterações no corpo feminino, no entanto, não são uma novidade do século XXI e têm sido feitas desde a Antiguidade.

Basta pensarmos na China Imperial, onde os pés das mulheres eram presos com ligaduras para serem pequenos; ou nas mulher-girafa de uma tribo em Myanmar, que vão adicionando colares de ouro no pescoço; ou até nos corpetes utilizados no século XIX para tornar as cinturas mais delgadas.

Atualmente, as diferenças apresentam-se de outra forma e aquilo que se procura é um visual quase robótico, como se usássemos um filtro constante. É nesse aspeto que podemos referir que o Instagram normalizou a situação e abriu um precedente para tornar tudo mais aceitável.

Enquanto há 20 anos alterar o nariz era uma operação cara e dolorosa, hoje em dia isso é bastante mais acessível

Rosto sincronizado

Segundo o último estudo realizado pela ISAPS em 2018 e publicado em 2019, estes são os dados a nível global:

  • Em 2018 foram realizadas 6.097.516 injeções com toxina botulínica;
  • O número de procedimentos com ácido hialurónico aumentou em 11,6% comparado com o ano anterior;
  • Foram realizadas 55,899 rinoplastias em pessoas com 18 anos ou menos;
  • O procedimento mais procurado por pessoas entre os 19 e os 34 anos foi a injeção com toxina botulínica, com 1.384.126 injeções realizadas;
  • Enquanto os procedimentos invasivos decresceram em 0,6%, os não invasivos aumentaram 10,4%.
Fonte: International Survey on Aesthetic/Cosmetic Procedures (ISAPS), 2018.

Quer mesmo fazer parte do rebanho?

É da natureza humana querer pertencer a um grupo. E é por esse mesmo motivo que se torna fácil aceitar este ideal de beleza, uma vez que se enquadra num movimento estético fácil e acessível a todos.

Os três grandes pilares destes novos rostos são: sobrancelhas arranjadas, lábios volumosos e olhos grandes e rasgados. Tudo possível através da maquilhagem, daí ser uma estética acessível.

No entanto, o grande problema que se levanta é: o que acontece quando todas as mulheres parecem iguais? Será que caminhamos para um futuro onde a individualidade perde para dar lugar a uma espécie de perfeição?

Este fenómeno levou ao nascimento de dois grupos claramente distintos:

De um lado estão as raparigas de 20 anos cada vez mais parecidas, obcecadas com cirurgias indicadas para mulheres com o dobro da idade, e com rostos claramente modificados que as fazem parecer mais velhas.

Do outro, está o grupo das mulheres mais velhas, como Jennifer Aniston, Jennifer Lopez ou Michelle Obama, que aceitaram envelhecer com todas as suas particularidades e que, pelo facto de não terem aderido à tendência, parecem ser mais novas.

Os rostos misturam-se, as idades deixam de ser percetíveis, bem como a faixa etária a que pertencem, tornando-se impossível perceber se estamos a conversar com alguém que tem 26 ou 36 anos.

Não queremos com esta dissertação apontar o dedo a todas as mulheres que participam ativamente neste movimento de beleza, não há nada de errado em querer fazer parte. Porém, se formos constantemente bombardeadas com imagens tão distantes da realidade, há uma certa probabilidade de sofrermos consequências a nível psicológico.

Existe algo único e transcendente em preservarmos as nossas características físicas e aquilo que nos torna diferentes dos outros rostos na multidão, são essas perfeitas imperfeições que nos tornam indivíduos únicos e tão especiais.

Celebridades que são parecidas

Além da impossível negação de semelhanças entre estas mulheres, também têm em comum o facto de pertencerem à geração Instagram.

Kendall Jenner e Emily Ratajkowski

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Lucy Hale e Sarah Hyland

Ashley Graham e Khloe Kardashian

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 239, maio de 2020.

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