Moda

Será estilo pessoal ou pressão para ser aceite? Veja como a moda nos define na sociedade

Há quem olhe para o tsunami de tendências atual e veja um futuro sombrio. Mas o mais provável é continuarmos a oscilar entre o desejo de conformidade e o impulso para sermos únicos. Já decidiu o que vai vestir amanhã?

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Mai. 17, 2023

Muitos pensadores escreveram rios de tinta sobre a liberdade, mas decidirmos a roupa que vamos envergar durante o dia não tem sido visto como uma das grandes opções políticas que tomamos logo de manhã.

Tendemos a menosprezar o poder de escolhas aparentemente prosaicas do nosso quotidiano, mas a verdade é que já houve momentos importantes da História em que a opção do que vestir foi determinante.

Durante a Revolução Francesa, por exemplo, a roupa era uma das maneiras pelas quais as pessoas expressavam sua posição política.

Chegados a 2023, no mundo ocidental democrático pelo menos, somos finalmente livres para usar o que quisermos. Ou será que não?

Com a ajuda da televisão, primeiro, e da Internet, depois, alavancada pelo avanço da tecnologia e da globalização, a moda tornou-se cada vez mais rápida e volátil. As marcas passaram de lançar duas coleções por ano para quatro ou mais.

Ao mesmo tempo, subculturas diversas, como a do skate, do hip hop, a gótica ou outras, encontraram na Internet uma forma de disseminar as suas próprias tendências, por vezes à boleia de inspirações que vêm de séries populares de TV, gerando uma catadupa de microtendências que viralizam em redes sociais como o TikTok e acabam por transbordar para as passerelles e lojas.

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Alguns exemplos recentes são o regresso do grunge, revivalismo Y2K, que trouxe de volta as tendências de 2010, a tendência Barbiecore, que celebra o feminino e o kitsch, o cottagecore, que se inspira na vida campestre, a tendência
dark academia, inspirada na vida académica e literária, o normcore, que rejeita toda a ideia de tendência, o cottage punk e o baroque core numa Torre de Babel de estilos capaz de nos fazer desejar o apocalipse das tendências e a aparição de um ser que ponha ordem nisto.

Sartre entra no desfile

Recentemente, a editora-chefe da Instyle Australia, refletia sobre este tema, citando uma influenciadora norte- americana, Alexa Losey, que desabafou sobre todas as tendências que se viu forçada a comprar contra a sua vontade em 2022, como botas Ugg de plataforma, mocassins Prada ou jeans de cintura descida.

“Isto fez-me perceber que eu nunca tive um pensamento original que fosse e que provavelmente não tenho um estilo pessoal, sou apenas uma consumidora e talvez deva meditar e copiar?”, pergunta a influenciadora num vídeo irónico do TikTok.

Não sabemos, mas de certeza que não será o Sartre. O filósofo francês foi um dos poucos que se dignou a opinar sobre a moda e não foi coisa boa.

“A moda é uma forma de feitiçaria social que nos faz sentir que precisamos de seguir as últimas tendências para sermos aceites”; “É uma forma de opressão que nos diz o que é aceitável e o que não é, com base em critérios superficiais e arbitrários” foram algumas das considerações menos abonatórias do escritor existencialista que certamente jamais usaria Ugg de plataforma, nem que Heidegger as comprasse primeiro.

Após anos de looks descartáveis, um minimalismo discreto ganha força

Conformismo, alienação, uma falsa sensação de identidade, baseada nas escolhas de moda e consumo.

Este tipo de argumentos contra a moda foi o que motivou o aparecimento do normcore em 2010, como reação ao excesso de glamour e ostentação da moda, fazendo a apologia de um guarda-roupa simples e básico.

E também é o que garante o regresso recorrente do minimalismo de tempos a tempos – como se precisássemos de fazer um reset periódico a tudo o que vamos colocando indiscriminadamente no roupeiro (e na cabeça).

Mesmo sem ser discretos, e com um futuro incerto em frente, não custa muito assegurarmo-nos de que vamos usar as nossas roupas mais do que uma vez.

Normcore na rua

A agência de tendências K-Hole criou o termo em 2014.

No relatório intitulado Youth Mode: A Report on Freedom, descreveu o movimento como um impulso de pertencimento a um grupo e a rejeição do status quo na moda.

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A editora de moda da Vogue Japão, Anna Dello Russo, e a modelo Cara Delevingne são apontadas como caras da tendência que privilegia o conforto e a autenticidade.

Pós-tendência: chegou a hora do freestyle

A preocupação com a sustentabilidade e o consumo consciente fez nascer o conceito de moda pós-tendência, que defende uma abordagem mais livre e individualista ao vestir.

Li Edelkoort, a famosa trend forecaster holandesa, tem falado muito sobre o tema de desenvolver um estilo pessoal, assim como Fiona Lambert, fundadora da marca de moda britânica Studio 8.

Uma das principais ideias de Lambert é que a moda deve ser mais inclusiva e diversa. Ela acredita que a indústria tem sido tradicionalmente muito limitada em termos de tamanho, idade, raça e outros fatores, e que está na hora de mudar isso.

Em vez de seguir tendências estreitas e definidas ou cair na abordagem normcore que rejeita gastar energia a pensar na roupa, incentiva as pessoas vestirem-se de acordo com o que lhes faz sentir bem.

Afinal, desenvolver a expressão pessoal através da roupa pode ser empoderador.

Quando escolhemos o que vestir com base nas nossas preferências pessoais e estilo de vida, estamos a ser artistas de nós mesmos. Dá trabalho, exige experimentação e incursão em novos territórios criativos. Nem todos terão disposição para isso, mas é bom lembrar que podemos.

Praticar esta liberdade pode devolver-nos um sentido de agência, de que podemos, sim, moldar as nossas vidas.

Uma parte de nós quer parecer-se com a Bella Hadid e a Hailey Bieber, mas há outra que anseia por expressar o seu ser individual.

Somos simultaneamente produtos da sociedade e os agentes de mudança dessa sociedade.

Nesse sentido, talvez as notícias sobre a morte do estilo pessoal sejam um pouco exageradas. Como disse Mark Twain, “as roupas fazem o homem. Pessoas nuas têm pouco ou nenhum impacto na sociedade.”

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº275, maio de 2023.

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