Um dos sonhos da maioria das mulheres está a concretizar-se. Estrear roupas diferentes todas as semanas sem o investimento financeiro necessário para isso, nem ter de encher os roupeiros com peças que se usam uma ou duas vezes é uma realidade crescente através das plataformas digitais de aluguer de roupa.
Há cada vez mais opções e 2019 marca uma disrupção no paradigma do consumo de roupa, que até agora estava baseado na venda acelerada e incessante de novas coleções.
O que, no início, começou por ser um fenómeno circunscrito às millennials norte-americanas, agora, expande-se a todas as faixas etárias e novas geografias.
O consumo sustentável e consciente, aliado ao desejo de apresentar novos looks nas redes sociais são as realidades que derrubam o tabu da falta de higiene associada à partilha de roupa com desconhecidas.
1. Rent the Runway, a estrela do aluguer do guarda-roupa
A derradeira aprovação desta tendência foi dada no início do ano, com a atribuição do estatuto de ‘unicórnio’ (empresa avaliada em mil milhões de dólares/912 mil milhões de euros) à Rent the Runway. Isto significa que o modelo de negócio de aluguer de roupa não é um epifenómeno e tem potencial para gerar milhões.
Sendo a estrela neste universo, a Rent the Runway tem como objetivo alugar roupa dos desfiles de moda, dando acesso online a 600 marcas de vestuário e acessórios através de uma subscrição. Existem duas modalidades, 89 dólares (81€) e 159 dólares (145€), dependendo da frequência da troca de roupa, e ambas incluem a limpeza a seco, os custos de entrega e de devolução e um seguro que cobre possíveis estragos nas peças. Já conta com 11 milhões de membros.
https://www.instagram.com/p/Bzy2ksUhXMy/
Este tipo de serviço é inovador porque disponibiliza não só vestuário para ocasiões especiais e festas, como para o dia a dia, que é o segmento que tem vindo a explodir. E alguns deles incluem também malas, sapatos, joias e até roupa interior.
A plataforma ‘unicórnio’ estendeu também o serviço, este ano, à roupa para meninas, dos 3 aos 12 anos de idade, e à roupa de casa, como almofadas, edredões e mantas.
2. O boom dos EUA, a filosofia minimalista e o roupeiro rotativo
É nos Estados Unidos que o mercado do aluguer de roupa está concentrado, não só por ser o maior em termos de consumo de roupa como pela necessidade de mobilidade das gerações millennial, com o mínimo de bagagem possível.
Este tipo de sites são também a resposta à filosofia de viver com menos, apregoada por minimalistas ou maníacas da funcionalidade dos roupeiros, como Marie Kondo.
À plataforma ‘unicórnio’ somam-se outras tantas, com ou sem a pretensão de alcançar essa condição. FashionPass, Le Tote, Panoplycity, Tulerie e Vow To Be Chic são alguns das dezenas de sites que se multiplicam no universo virtual (nenhuma disponível em Portugal).
https://www.instagram.com/p/B3jy806AnzG/
Aceder ao mundo aspiracional do consumo de moda por uma fração do preço (normalmente 10% a 15% do preço de venda) permite também ter um roupeiro rotativo com peças de melhor qualidade, que através do aluguer se tornam mais acessíveis.
3. As próprias marcas lançam-se na corrida
Consumir mais e de melhor qualidade com a sensação de que se compra (e acumula) menos é a equação que está a atrair marcas de roupa a lançar os seus próprios sites, em concorrência com as plataformas multimarca que criaram este novo mercado.
Banana Republic, Urban Outfitters, Bloomingdale’s, Nordstorm e Macys são alguns exemplos de insígnias que estão a lançar (ou a ponderar lançar) os seus próprios serviços de locação de roupa.
Prevê-se entretanto um alargamento deste mercado a novos segmentos, como o calçado. Esta área traz mais limitações, pela inevitável deformação das peças com o uso, mas a Nike encontrou um modelo de negócio rentável.
https://www.instagram.com/p/B3aB79LAgBX/
O serviço Nike Adventure Club é dirigido, para já, a crianças e é lançado oportunamente no regresso às aulas. Por uma assinatura trimestral, bimensal ou mensal (o equivalente a 18€, 27€ e 46€), os pais recebem um par de ténis com a periodicidade escolhida. A última opção, a mais cara, dá acesso a um desconto de dez dólares (9€) na compra de um par de ténis.
A Nike não se quer ficar pelos mais novos e está a estudar um serviço de subscrição para corredores e participantes em maratonas.
4. Prós e contras financeiros
O mercado de aluguer de roupa nos EUA vale atualmente cerca de mil milhões de dólares (912 mil milhões de euros) e vai chegar aos 2,5 mil milhões (2,2 mil milhões de euros) em 2023, segundo dados do Global Data Retail.
Neste modelo, porém, nem tudo é faturar. A coqueluche do ‘limpa a seco e volta a alugar’ já sofre com o lado negro do sucesso, com a multiplicação de queixas de consumidoras nas redes sociais.
O problema? O valor das penalizações por peças que se atrasam ou extraviam nos correios, quando a cliente fez a devolução no dia certo, que chegam a ultrapassar milhares de euros. O atraso no retorno ou sumiço vale uma multa por cada dia em falta, mais o pagamento até 200 por cento do preço do artigo.
5. Aluguer de roupa mas com curadoria
Outro dos subsegmentos que está a ganhar pujança é o serviço de aluguer de roupa com curadoria, como o Stitch Fix.
Na prática, significa pagar uma mensalidade para ter acesso a peças selecionadas por especialistas em moda, com base no perfil de preferências da cliente, que é apurado através de um algoritmo. A Amazon, aliás, aplica esta lógica ao seu próprio serviço de styling, o Personal Shopper, que deriva do Wardrobe Prime, disponível gratuitamente para os clientes Prime (mas apenas nos EUA).
https://www.instagram.com/p/B2677w1BeBL/
Quem adere tem acesso a uma caixa com três a oito produtos (roupa, sapatos e acessórios) para serem usados durante sete dias. No final deste tempo, as peças podem ser devolvidas, pagando apenas aquelas com as quais se fica.
6. Sustentabilidade q.b.
A euforia com esta nova forma de vender e consumir moda já tem alguns detratores, que alegam que o argumento da sustentabilidade é falacioso, promover a troca constante de roupa incentiva o aumento da produção para alimentar essa máquina.
O estado da indústria da moda já não é bonito: a produção de roupa a nível mundial duplicou nos últimos 15 anos, tendo caído o número de vezes que uma peça é usada, segundo os dados da Ellen MacArthur Foundation.
7. O caso português
Portugal teve a sua experiência nesta área com o Chic by Choice. Criado em 2014, o site limitava-se a marcas de luxo de roupa de festa, vestidos de cocktail ou par ocasiões formais e acabou por definhar envolto em dívidas. Nem lhe valeu a injeção de capital de vários acionistas como a capital de risco do Estado, a Portugal Ventures, que acabou por declarar o Chic by Choice um negócio insustentável.
Pelo caminho, as duas fundadoras foram distinguidas pela revista Forbes pela ideia inovadora e acabaram em tribunal a responder perante dívidas de 72 mil euros.