Sexo

Millennials: a geração que é cada vez mais assexual

Somam-se as evidências científicas de como as pessoas nascidas entre 1980 e 1996 — os chamados millennials — têm relações sexuais com menos frequência do que as gerações anteriores. Será por desinteresse ou por medo? Fomos investigar.

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Millennials: a geração que é cada vez mais assexual
Filipa Basílio da Silva
Escrito por
Jul. 26, 2018

Um em cada oito millennials são virgens aos 26 anos de idade, revelou, em maio deste ano, um estudo da University College London, no Reino Unido, que acompanha 16 mil pessoas nascidas entre 1989 e 1990 desde os 14 anos.

A percentagem não é elevada, efetivamente, mas as conclusões desta investigação estão em linha com as descobertas de outras que já se tinham debruçado sobre os comportamentos sexuais da geração Y. Como é o caso do estudo Sexual Inactivity During Young Adulthood Is More Common Among U.S. Millennials and iGen, publicado, em 2017, na revista científica Archives of Sexual Behavior.

O estudo contou com as respostas de 26.707 indivíduos a um inquérito, nos Estados Unidos da América, e que calculou que 15% dos participantes com 24 anos ainda não tinha iniciado a sua vida sexual. Em contrapartida, na geração anterior, nascida nos anos 60 e 70, apenas 6% admitira também não ter perdido a virgindade nessa faixa etária.

“A maioria dos estudos tem mostrado que os millennials, mesmo nos relacionamentos amorosos, têm relações sexuais menos frequentemente [do que as gerações anteriores]”, confirma Maria Joana Almeida, psicóloga clínica e terapeuta sexual.

O bloqueio mental comum nos millennials

Uma das explicações que tem sido avançada pelos investigadores da área para cada vez mais jovens adultos estarem a adiar a sua primeira relação sexual sugere a possibilidade de estes indivíduos terem desenvolvido um receio de que o seu próprio desempenho não vá ao encontro das expectativas da(o) parceira(o).

Isso pode impedir alguns sujeitos de passarem da fantasia e do desejo à ação. “Embora todas as pessoas tenham essa preocupação com a performance, isso pode provocar dificuldades sexuais em algumas pessoas em certas situações”, informa a especialista. Por sua vez, na origem deste obstáculo mental pode estar um contexto sociocultural desfavorável à vivência saudável da sexualidade.

A banalização do sexo

Outra teoria justifica os problemas de relacionamento sexual de um número crescente de indivíduos da geração Y com a hiperestimulação de que são alvo. Até as tarefas e os objetos mais corriqueiros do dia a dia são sexualizados, atualmente.

Por que é que tem de haver uma exposição e objetificação do corpo? Por que é que usamos mulheres sensuais para vender carros? – Maria Joana Almeida

“O sexo serve para vender detergente, champô, sabonete, gel duche, roupa… tudo”, critica Maria Joana Almeida. Nunca estivemos tão expostos a imagens e conteúdos que, não sendo pornográficos, banalizam aquilo que outrora pertenceu apenas à esfera da intimidade de cada um.

“Por que é que tem de haver uma exposição e objetificação do corpo? Por que é que usamos mulheres sensuais para vender carros?”, questiona, indignada, a psicóloga clínica e terapeuta sexual. Sem falar do facto de o fácil acesso a filmes pornográficos na Internet poder ser um entrave ao contacto humano se for usado como único escape para libertar tensão sexual. Por outro lado, Maria Joana Almeida diz que, com a visualização destes vídeos, “a pessoa pode treinar sozinha e ganhar confiança”.

A liberdade de costumes

Neste momento, na maioria dos países ocidentais, as pessoas gozam de um poder de expressão sexual nunca antes conseguido. Contudo, a liberdade para manifestar desejo e para viver uma vida erótica em pleno parece estar a ser subaproveitada pelos millennials.

“O desenvolvimento não levou, como se esperava, a mais informação nem a melhores competências ao nível das relações sociais, íntimas e sexuais”, esclarece a especialista.

Antigamente, havia mais proibições e havia mais excitação com a transgressão. Agora, há menos proibições, mas não quer dizer que isso aumente o prazer ou a satisfação

Num passado não muito longínquo, regido por normas socioculturais rígidas que espartilhavam a sexualidade e a confinavam ao domínio da instituição do matrimónio, as pessoas reportavam ter uma média de parceiros sexuais superior – 11 por cada pessoa nascida nos anos 1960, dez por cada indivíduo nascido nos anos de 1970 e oito por cada sujeito nascido após 1980 e inícios de 1990.

“Antigamente, havia mais proibições e havia mais excitação com a transgressão. Agora, há menos proibições, mas não quer dizer que isso aumente o prazer ou a satisfação”, nota Maria Joana Almeida.

Cenário do novo milénio

A psicóloga clínica e terapeuta sexual alerta ainda que na base deste travar da sexualidade que se tem observado entre alguns dos millennials pode haver uma explicação socioeconómica: “As pessoas estão mais sobrecarregadas e em situações mais precárias. Se tiverem de trabalhar muitas horas para se sentirem seguras, com certeza que chegam a casa mais cansadas”.

Além disso, a especialista nota que os sujeitos se foram tornando cada vez mais individualistas com o passar dos anos: “Apesar de haver mais maneiras de estarem juntas, as pessoas estão mais sozinhas e têm uma vida em que é mais difícil conhecer gente nova”.

O que pode, igualmente, explicar o porquê de a geração Y adiar até mais tarde a primeira relação sexual. Para terminar, não podemos esquecer que nem todos os indivíduos estão interessados em sexo. “As pessoas assexuais não têm necessidades a esse nível e vivem melhor se não se pressionarem nem forem pressionadas para que aconteça”, exemplifica.

Independentemente de se identificarem com esta descrição, a pequena percentagem de indivíduos que ainda não se envolveu sexualmente com ninguém aos 26 anos (como referia o estudo britânico inicial) não deve cair no erro de fazer o que quer que seja só porque é o socialmente estabelecido.

Os sentidos e a linguagem corporal estão a perder terreno para o contacto digital

“Gosto de ti, mas à distância”

Justin Garcia, investigador no Instituto Kinsey, nos EUA, deu uma conferência TED, em 2013, onde mostrou uma certa preocupação com a utilização que as novas gerações fazem da tecnologia.

De acordo com o especialista em biologia e sexualidade, “os sentidos e a linguagem corporal estão a perder terreno para o contacto digital”.

Quer isto dizer que as formas como comunicámos durante milhões de anos estão a entrar em desuso. “Já não falamos uns com os outros, não ouvimos as vozes uns dos outros, não olhamos uns para os outros, não nos cheiramos uns aos outros, não nos saboreamos uns aos outros – sim, isso mesmo”, censurou.

Enquanto as gerações anteriores olham para esta tendência de decrescente contacto humano com estranheza, os millennials já o encaram com naturalidade.

Tanto assim é que, segundo Justin Garcia, “o número de encontros online tem aumentado todos os anos e as pessoas passaram a trocar mensagens de cariz sexual para se conhecerem melhor, antes de o fazerem cara a cara”.


Conhecia todos estes detalhes sobre esta geração? Saiba ainda porque é que estamos cada vez mais sós.

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