Restaurantes e bares

Blind, o restaurante onde se enaltecem os cinco sentidos

No Blind, um jantar é muito mais do que uma simples refeição; é um despertar de todos os sentidos e inclui vendas, uma manteiga que é simultaneamente uma vela e até uma escova e pasta de dentes. Estivemos no mais recente restaurante com estrela Michelin do Porto e muitos dos pratos fizeram-nos sentir um arrepio na pele…

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Blind, o restaurante onde se enaltecem os cinco sentidos Blind, o restaurante onde se enaltecem os cinco sentidos
© Luís Ferraz
Rita Caetano
Escrito por
Mai. 09, 2025

“Como é que este restaurante não tem uma estrela Michelin?” Foi com esta pergunta na mente que saímos do Blind, a meio de fevereiro, após um jantar daqueles que vai perdurar na memória. Duas semanas depois, foi-lhe feita justiça: o restaurante do hotel Torel Palace Porto ganhou a sua primeira estrela Michelin, um ano após ter entrado para a lista de restaurantes recomendados pelo famoso guia gastronómico e da atribuição do prémio Jovem Chef do Ano a Rita Magro, braço-direito do chef Vítor Matos no Blind e que, noite após noite, lidera uma cozinha onde se faz magia sem varinhas de condão.

Quem precisa de pós de perlimpimpim quando tem a imaginação, os ingredientes e as técnicas certas para despertar os sentidos a quem se senta nas suas mesas? Ninguém…

©Luís Ferraz

Criatividade na cozinha

Na sala a luz reduzida, o balcão no centro da sala destaca-se e, em cima de cada mesa, está uma rosa. “Ver as coisas como elas são” é o convite feito por Pedro Moreira, chefe de sala, que nos explica que o livro Ensaio Sobre a Cegueira serviu de inspiração para todo o restaurante. Chama-nos a atenção ainda para os quadros na parede; “todos juntos formam a palavra sensation em braille, porque aqui queremos explorar mais do que o palato”.

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Daí que sentir, tocar e saborear sejam as três palavras de ordem no Blind, mas também podemos juntar um outro verbo, o ver, até porque cada prato tem uma apresentação digna de nota. “Queremos despertar todos os sentidos, e os olhos também comem. É a comida juntamente com todos os detalhes que fazem de uma refeição no Blind uma experiência”, realça Rita Magro, que nos confessa que o processo criativo é sinónimo de muito trabalho, mas também de diversão.

O chef Vítor Matos com o seu braço-direito, Rita Magro.

©Luís Ferraz

“Nós queremos brincar um pouco com os clientes e é isso que diferencia o Blind de outros restaurantes”, acrescenta Vítor Matos, que não tem dúvidas de que a pessoa que escolhe para os projetos onde está envolvido é o ponto de partida para a diferenciação. “A Rita traz os sentimentos dela e a sua própria experiência”, refere. Uma das regras de Vítor Matos é não repetir pratos em nenhum dos seus restaurantes. “O que as pessoas comem no Blind não comem noutro. Aqui temos uma linha sensorial e saímos da nossa zona de conforto. Queremos que as pessoas deixem todo o resto para trás e desfrutem do momento”, refere o chef.

©Luís Ferraz

Uma experiência inesquecível

Para começar a refeição, Pedro Moreira pediu-nos para decorar um número, que depois é reduzido a cinzas à nossa frente. Não lhe vamos desvendar a razão pelo qual deve memorizá-lo (mas faça-o, não se vai arrepender), porque o fator surpresa também conta nesta experiência que pode ter dez ou 12 momentos (155€ e 175€ sem bebidas, respetivamente).

O primeiro momento chama-se Três nunca é demais e é composto um tártaro com caviar para comer com uma waffle, um hambúrguer de grão, chamado Mc Blind, e um minicorneto salgado. O tártaro é o primeiro dos momentos que nos fez ficar com pele de galinha. Com ele somos de imediato transportados para férias passadas na Ásia. Sensação que se irá repetir no Black & White, o sétimo momento.

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Desta feita, o ‘culpado’ é um tagliatelle de lula com uma emulsão de gengibre e lima caviar. Lembra-se da manteiga em formato de vela que mencionámos no início do artigo? Faz parte do segundo momento e vem acompanhada de pão de massa mãe e sementes de abóbora que vamos barrando à medida que a vela arde.

©Luís Ferraz

Segue-se o prato Que nem ginjas, cujo ingrediente principal parecem ser as ginjas pelo formato, mas lá dentro há foie gras. Juntar gamba rosa do Algarve com gema de ovo curada, toranja e espuma de alho-francês, entre outros ingredientes, só podia ser um Pecado à Colher. De olhos vendados, saboreámos, o quarto momento e, sem a visão a trabalhar, nem tudo o que parece é, mas não lhe vamos dizer mais nada…

©Luís Ferraz

Um final em grande

Alguma vez pensou em receber uma escova e uma pasta de dentes num restaurante de fine dining? Provavelmente não, mas no Blind acontece e só lhe dizemos que é a forma como é servido um limpa palato, o resto fica na vossa imaginação. Sentir o mar junta salmonete, carabineiro e algas e com este prato a nossa mente viaja até à praia, mas o seguinte leva-nos para o campo, já que é um prato de borrego que se denomina Lamb Lamb, num trocadilho com a palavra borrego em inglês e o nosso verbo lamber.

©Luís Ferraz

Um chocalho anuncia a sobremesa. Chama-se Lembrança da minha infância – a de Vítor Matos, que foi passada entre Portugal e Suíça. Às festas da aldeia em Trás-os-Montes foi buscar a nuvem de algodão-doce que cobre o prato, e esconde coisas como caramelos cujo papel é comestível, gelado, mousse de baunilha e até macarons. É um verdadeiro regresso à infância de sabores que emocionam.

©Luís Ferraz

“É muito sentimento metido num prato. A minha família podia não ter muito dinheiro, mas carinho nunca faltou, e um abraço sabe muito bem…”, remata o chef, que ainda nos dá a conhecer o seu sonho, o Japão, e nos confessa que as viagens são uma grande fonte de inspiração. Um bonsai e um jardim japonês chegam à mesa com petits-fous que sabem ao País do Sol Nascente. Este último momento chama-se Tenho um sonho e lembra-nos que tudo começa no sonho…

©Luís Ferraz

Onde: R. de Entreparedes, 40, Porto.
Quando: De terça-feira a sábado, das 19h30 às 22h30.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 298, abril de 2025.

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