Relações e família

Crónica. Amamos como nos amaram: os diferentes tipos de vinculação

Dentro de nós existe uma impressão digital determinada pela forma como fomos amadas, a forma como nos olharam, falaram, como nos abraçaram e ampararam (ou não), que nos acompanha ao longo da nossa vida, definindo a forma como também nós iremos amar.

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© SHUTTERSTOCK
Sílvia Coutinho, psicóloga
Escrito por
Nov. 24, 2022

Dentro de nós existe uma música que toca uma determinada melodia, consoante os rótulos que nos colocaram, as ideias acerca de nós próprios que nos passaram, das luzes que nos acenderam, ou da escuridão com que nos aprisionaram.

Todas nós trazemos uma bagagem emocional com a nossa história. Dela fazem parte a forma como aprendemos a sentir segurança (ou não), a descansar (ou não) na relação com uma figura cuidadora (por norma com a nossa mãe e/ou com o nosso pai). Como aprendemos a (não) ter de lutar pelo amor. De como é suposto amar e ser amada numa relação.

Desde que nascemos que procuramos por proximidade, ligação e conexão, sendo portanto o nosso padrão de vinculação um reflexo de como sentimos lá atrás, na história da nossa vida, a (in)disponibilidade das nossas figuras cuidadoras.

Estes padrões de vinculação poderão ser alterados ao longo da vida, dependendo da forma como nos vamos relacionando nas nossas relações íntimas, como vão decorrendo as várias circunstâncias ao longo da nossa vida, como vamos compreendendo ou lidando com os nossos traumas ou feridas.

Os diferentes padrões de vinculação

Padrão de vinculação seguro

As pessoas que cresceram seguramente vinculadas cresceram rodeadas de muito amor e um suporte consistente por parte dos seus cuidadores.

Enquanto adultas, são independentes, conectando-se com os outros de forma saudável e reciprocamente. Sentem-se confortáveis quando estão em conexão e quando estão consigo próprias.

Uma relação amorosa adulta pode ser uma oportunidade maravilhosa para aprender sobre amor
Sílvia Coutinho, psicóloga Sílvia Coutinho, psicóloga

Padrão de vinculação inseguro ansioso

As pessoas que funcionam com base neste padrão lidam com muita ansiedade, com o facto de procurarem/necessitarem de perceber se as suas necessidades estão a ser ou não respondidas, ou a sentirem-se seguras (ou não) ao amar e ao serem amadas.

O seu cuidador pode ter sido imprevisível ou intermitente. Estas pessoas podem, por isso, sentir-se hipervigilantes aos sinais relacionais ou perante a possibilidade de distanciamento ou abandono.

Ao antecipar a possibilidade de afastamento, perda ou abandono, reagem inicialmente com zanga, tristeza ou desilusão.

Para as pessoas deste padrão, a consistência e a reafirmação de afeto são importantíssimos, enchendo a pessoa de segurança emocional.

Padrão de vinculação inseguro evitante

Estas pessoas têm tendência para manter a intimidade mais distante ou a diminuir a importância das relações.

Por norma, foram crianças negligenciadas, deixadas demasiado tempo sozinhas, rejeitadas pelos seus cuidadores ou pelos pais, que não estiveram muito presentes.

Os evitantes desconectaram o seu sistema de vinculação, por isso reconectar com outros em segurança e de forma saudável é extremamente importante.

Padrão de vinculação inseguro desorganizado

Este padrão é caracterizado por medo excessivo, e o sistema tem o propósito de lidar com a ameaça e a sobrevivência.

Quando stressada, aflita, doente ou assustada, a criança por norma procura o conforto e a proteção do seu cuidador. No entanto, fica sem saber o que fazer quando essa figura é igualmente fonte de medo e aflição.

Pais desorganizados podem assustar os seus filhos. Estes podem ver os pais como ameaçadores ou viver numa atmosfera familiar de medo, conduzindo a situações de trauma.

Estas pessoas apresentam normalmente uma desregulação emocional, lidando com inúmeras mudanças de humor ou dissociação.

A vinculação amorosa adulta

É importante perceber que a forma como vemos e sentimos as relações e como aprendemos a amar pode ajudar a criar uma vantagem na forma como o iremos amar e ser amados em adultos.

Aquilo que vai acontecendo nas nossas relações adultas encontra um espelho e um eco com a nossa história de vinculação.

Deste modo, alguém que tem em si a impressão digital de uma vinculação segura, estará certamente em vantagem para amar melhor ou de forma mais saudável em adulto, pois conseguirá mais facilmente reconhecer os sinais do que é uma relação saudável.

Por esta mesma razão, uma relação amorosa adulta pode ser uma oportunidade maravilhosa para aprender sobre amor.

A bagagem que trazemos pode entrar em cena e fazer-nos sentir em segurança ou em perigo, conduzindo-nos a uma maior recetividade ou maior evitamento nas situações que estarão em palco na nossa relação amorosa atual.

Desta forma, é fácil compreender como situações mais ou menos traumáticas na nossa história de vida poderão assumir um impacto nas nossas relações.

Um contato com novas situações igualmente impactantes (gatilhos emocionais), poderá despoletar respostas emocionais intensas ou afastamento (consoante o seu padrão), conduzindo a uma sensação de desconexão, descontrolo, desespero ou a perceção de perda de chão firme e seguro.

Muitas vezes, a nossa experiência mais dolorosa é aquela que obtemos através da aprendizagem de amar outra pessoa
Sílvia Coutinho, psicóloga Sílvia Coutinho, psicóloga

Uma relação amorosa continua a ser um terreno bastante fértil para que estes gatilhos emocionais possam surgir e invocar, assim, a música que fomos interiorizando ao longo das nossas vidas.

Esta música consiste nos nossos padrões emocionais, muitos deles com reflexo na forma como fomos amadas, como aprendemos a amar ou sobre como fomos ensinadas acerca do que é o amor ou as relações.

Por exemplo, se as relações foram percecionadas como um lugar assustador e perigoso, no qual se torna impossível confiar, é acionado um gatilho que dispara a nossa crença de não sermos suficientemente importantes e merecedoras de amor, que nos leva àquele lugar de desvalorização interna e baixa autoestima.

Esta música interna vai sendo dançada pelos parceiros conforme aprenderam os passos da dança, ou seja, de uma maneira segura, de uma maneira mais aflita e ansiosa, evitante ou desorganizada.

© pexels

Relação entre parceiros com diferentes padrões

Padrão seguro + padrão inseguro

Nestas relações, o parceiro inseguro, ao confrontar-se com a segurança, consistência e responsividade saudável do companheiro, pode desenvolver o seu nível emocional de segurança interna.

O amor que advém de um padrão de vinculação seguro, faz-nos brilhar. Crescer!

É através dele e da maturidade emocional, responsividade consistente, acessibilidade e presença emocional segura que podemos, sem dúvida, alcançar o verdadeiro sentido de uma conexão emocional profunda e consciente.

Padrão inseguro + padrão inseguro

Estas relações podem, muitas vezes, ser palco de inúmeras situações que acabam por funcionar como gatilhos para os dois elementos.

Quando a relação se torna mais desafiante, os evitantes tendem a encontrar a sua paz e segurança, baixando o seu termómetro emocional através do isolamento ou distanciamento, enquanto que os elementos ansiosos tendem a repor a sua paz através da proximidade, tornam-se muito reativos ao percecionarem o distanciamento, isolamento ou desconexão do seu parceiro.

Torna-se necessário os casais ganharem enorme consciência da sua dança emocional, dos seus padrões, das suas feridas, para conseguirem, com maior compaixão e empatia, construir pontes de ligação entre si, de modo a colmatar as dificuldades, os espaços vazios e as feridas dolorosas que carregam e que tendem a tornar-se gatilhos que aumentam a insegurança e o distanciamento na relação.

Relação com um parceiro com padrão evitante

As pessoas com padrão de vinculação evitante normalmente cresceram com algum nível de negligência e rejeição.

Ao tornarem-se adultos, o seu sistema de vinculação está ativo mas, muitas vezes, inconscientemente, tendem a desligá-lo, tendo em conta que é demasiado doloroso serem vulneráveis.

São aparentemente pessoas muito calmas, mas no interior estão a lidar com enormes indicadores de alerta de perigo que narram a história de que, ao conectarem-se com os outros, serão obviamente rejeitadas, magoadas ou ficarão de novo sozinhas.

Para os evitantes, o desenvolvimento relacional requer lidar com muita dor emocional, o que poderá significar ter de deixar ir muitas coisas difíceis da sua infância/adolescência/família e desativar assim muitas estratégias de vinculação que foram desenvolvendo no seu caminho.

Os evitantes necessitam redescobrir que as relações podem ser lugares de segurança emocional e física (passando a valorizar a conexão construída a dois). Pode ser ainda importante ajudar o parceiro a identificar as suas necessidades.

A nossa experiência mais dolorosa é aquela que obtemos através da aprendizagem de amar outra pessoa
Sílvia Coutinho, psicóloga Sílvia Coutinho, psicóloga

Relação com um parceiro com padrão ansioso

Estes poderão ter sido cuidados e amados em criança, contudo de uma maneira imprevisível e inconsistente. Poderão ter sido sobre estimulados e por vezes deixados ao abandono intermitentemente.

Poderão não ter beneficiado de adultos capazes de conter e expressar as suas emoções de forma regulada. Assim, em adultos, apresentam grandes dificuldades em lidar com as emoções.

Desejam uma relação estável/conectada, mas nem sempre conseguem reconhecer quando uma relação é amável, gentil e de suporte.

Necessitam, então, de aprender a pedir e a receber amor e atenção, assim como a experienciar preenchimento emocional e satisfação sem o medo constante de perder o outro e a relação.

Poderá ser importante acalmar o seu sistema de vinculação, não responder igualmente com reatividade ao parceiro e procurar acalmar e suavizar as suas emoções.

Não deverá ameaçar ir-se embora ou abandonar/terminar a relação, tornando dessa forma a relação ainda mais insegura para este parceiro.

Assim que os ansiosos se sentirem seguros emocionalmente, o seu sistema de vinculação deixará de gritar de forma desesperada por conexão, encontrando formas de confiar na relação que estão a construir com o parceiro.

Mudar a nossa história

Muitas vezes, a nossa experiência mais dolorosa é aquela que obtemos através da aprendizagem de amar outra pessoa.

Quando nos comprometemos ao amor, à medida que o vamos aprofundando, vamos contactando com o mundo interno do outro, com a sua luz, sombras, completudes, dores e traumas.

Aqueles que nos são mais próximos acendem em nós gatilhos e devolvem-nos espelhos da beleza que existe em nós, mas também da nossa feiura.

Atender ao amor poderá consistir em revelar de forma honesta e autêntica a nossa escuridão, mas também trabalhar a consciência da nossa história, da música que toca dentro de nós, para reaprendermos a escrever uma nova letra.

Deste modo, é nas relações que nos ferimos, mas é também nestas que nos curamos, que reganhamos a oportunidade de nos reconectarmos, nomeadamente com alguém especial e íntimo.

É, também, através das relações que reganhamos o nosso sentido de dependência, independência e de interdependência.

Amamos como nos amaram. Mas dentro de nós existe uma pessoa com uma capacidade imensa de ultrapassar os mais diversos obstáculos da vida, com capacidade de voltar a aprender a amar de uma maneira mais saudável e segura, de forma a realinhar o nosso sistema de vinculação e os padrões internos que trazemos em nós.

Requer coragem de arriscar a rendição. Rendermo-nos na vulnerabilidade (podendo não ser uma vulnerabilidade completa, mas gradual) de partilharmos ao outro a nossa experiência com verdade e amor, no lugar da resistência do nosso medo e das nossas feridas.

Rendermo-nos ainda à possibilidade de confiar, de nos ampararmos e nos ampararem, mais do que entrarmo-nos na tal antiga música destrutiva que tantas vezes nos consome e nos afasta daquilo que o amor realmente é.

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