Mesmo quando não nos damos conta, a nossa vida é uma constante negociação. Negociamos em casa com os pais, com os parceiros e com os filhos; no trabalho, com os chefes, colegas e clientes; no ginásio, com o personal trainer… e o rol podia continuar…
“Num mundo cada vez mais exigente, saber negociar é muito importante, tanto a nível pessoal como também no plano profissional”, alerta a psicóloga Helena Paixão. É verdade que nem todos nascemos com o dom da negociação, mas a boa notícia é que podemos treiná-lo.
O medo da rejeição
A psicóloga lembra-nos que “vivemos numa era acelerada e de muito ruído, portanto, precisamos de conseguir desenvolver a arte de negociar e as ferramentas para o fazer”. Para a também autora do livro O poder do autocuidado (Nuvem de Ideias), a assertividade é primordial para aperfeiçoar a capacidade de negociar.
“Muitas vezes, acabamos por dizer sim quando queremos dizer não. O que acontece é que acabamos por dizer sim ao outro e a dizer um redondo não a nós próprios”, esclarece. Na arte de negociar, “quando dizemos um sim, este tem de ser realmente um sim; o mesmo quando dizemos um não, que não pode ser substituído por um sim só para agradar aos outros”, explica a nossa entrevistada.
Mas claro que isto toca em “algo muito humano que é o medo da rejeição”. “Muitas vezes temos este medo da rejeição e do conflito ou eventualmente até receio de sermos encarados ou vistos como egoístas, porque estamos a dizer não. É algo que está no nosso ADN cultural, ou seja, somos educados para agradar e para evitar desentendimentos”, realça a psicóloga.
Respeito por nós e pelos outros
Temos de olhar para a infância, para perceber de onde vem essa vontade de agradar. “Enquanto crianças, nós temos duas grandes necessidades: a de autenticidade e a de pertença. Se a criança tiver de escolher uma, opta pela segunda, porque precisa de ser aceite e, se ouvirmos constantemente coisas como ‘uma menina bonita não faz isso’, vamos inconscientemente moldarmo-nos e a aniquilar um bocadinho a autenticidade. Para quê? Para pertencer”, esclarece Helena Paixão.
Para então, termos respeito pelo outro, mas também por nós próprios, temos de nos autoconhecer muito bem. Na base da capacidade de negociar, está também a nossa personalidade. Se, para algumas, é mais fácil, para outras, há que treinar essa habilidade, tal como o conseguir dizer não.
“Há muitas pessoas que têm dficuldade em dizer não, sobretudo pelo tal medo de rejeição”, realça a nossa entrevistada. Mas o saber dizer não não tem de significar que não se possa ceder em algumas situações. “Em algumas ocasiões, é um indicador de maturidade emocional e não de fraqueza. Temos é de diferenciar quando é que faz sentido”, afirma a psicóloga.
O mesmo com os pedidos de desculpa. “É muito comum na nossa cultura pedirmos desculpa por qualquer coisa, quando a maior parte das vezes não se adequa porque não temos culpa, ou seja, a desculpa vem da culpa. Então, só quando realmente temos culpa é que se adequa”. A chave para qualquer negociação saudável está em perceber “se a cedência vai contra os nossos valores ou se é uma forma de mantermos uma relação equilibrada. Talvez seja importante perguntarmo-nos quando cedemos se estamos a ser fiéis a nós próprios ou se estamos a anularmo-nos para evitar um desconforto”.
6 passos para aprender a negociar
Para a psicóloga Helena Paixão, uma boa negociação depende do autoconhecimento, da assertividade, da empatia, da gestão de frustrações e da impulsividade. Não é uma vitória ou derrota.
1. Identificar um desejo que seja importante para si
Se nos conhecermos melhor, mais fácil será negociar nos vários campos da nossa vida. “Quando ampliamos a nossa consciência emocional, conseguimos conhecermo-nos melhor, identificamos as nossas forças e as nossas vulnerabilidades”, sublinha a também a autora do livro O poder do autocuidado, que diz que a psicoterapia pode ser muito útil para incrementar o autoconhecimento.
“Se não tivermos esta consciência de base, é mais fácil agirmos sob impulso, ou seja, reagimos em vez de agirmos”, refere Helena Paixão. A base para abrir os canais de comunicação é o autoconhecimento e a consciência emocional. Temos de saber do que estamos a precisar e comunicar isso aos outros.
2. Assertividade no ponto
“A arte de negociar está de mãos dadas com a parte da assertividade e esta com o autoconhecimento”, explica a psicóloga. A comunicação assertiva, continua, “é um músculo que devemos desenvolver. Para algumas pessoas, devido à sua personalidade, é mais natural serem assertivas. Para uma grande fatia delas, pode ser mais desafiante. Essas pessoas oscilam mais entre a comunicação mais permissiva e a comunicação mais reativa ou agressiva”. E por que razão isto é um problema? “Nestas questões de negociar, a assertividade significa expressarmo-nos de forma mais clara, mais direta e mais respeitosa”, esclarece Helena Paixão.
3. Não há vencedores
Para a nossa entrevistada, um dos pontos assentes é não ver a negociação como uma vitória de uma das partes e a derrota da outra. Não há vencedores nem vencidos. “Quando se sabe negociar, ambas ganham. Quando comunicamos aquilo que nos faz sentido, respeitamo-nos a nós próprios, respeitando também o outro. Negociar não é um campo de batalha”, afirma Helena Paixão.
4. Mais empatia
Fundamental também na negociação é tentar ver a situação através dos olhos do outro. “É importante irmos mais por este lado mais humanizado, mais empático. Abrir os canais de comunicação para que tudo possa ser falado e negociado”, explica a psicóloga.
5. Gestão das expectativas
“Nem sempre vamos conseguir tudo aquilo que queremos, da forma como queremos e no timing que queremos, portanto, temos de ir gerindo as expectativas e a tolerância à frustração”, afirma Helena Paixão. A psicóloga salienta que há pessoas que têm mais facilidade neste ponto do que outras e, em caso de conflito, o seu conselho é lembrar que “nem todos os conflitos se resolvem de imediato”.
6. Menos impulsividade
Muito ligado ao autoconhecimento e à consciência emocional, está a gestão dos impulsos. “Às vezes, queremos responder, mas será que temos de fazê-lo de forma impulsiva? É melhor respirar – inspirar e expirar –, contar até cinco… O mindfulness é uma ferramenta que nos ajuda nesta arte de negociar”, salienta a nossa entrevistada.
Evite os erros
Quando negoceia, seja em que área for, não…
• …peça desculpa quando não se adequa à situação. Há pessoas que começam logo uma intervenção a pedir desculpa; há que treinar o cérebro para que tal não aconteça quando não é adequado ao momento;
• …tenha vergonha de ceder. Às vezes, é a atitude mais correta e numa negociação não tem de haver vencedores nem vencidos. É possível chegar a consensos e, o mais importante, havendo uma escuta ativa, empatia, clareza no diálogo. Implica perceber do que é que se necessita. O bom acordo é aquele em que todos se sentem, acima de tudo respeitados e escutados;
• …diga tudo o que se pensa. A assertividade não é isto. É bom sermos sinceros, honestos, mas ser assertivo é conseguirmos diferenciar quando é preciso intervir ou pôr um limite. O silêncio pode ser uma boa opção. Às vezes, a tal sinceridade é só falta de educação.