Sabia que o nosso sistema auditivo começa a desenvolver-se no útero da mãe? Desde muito cedo que os bebés começam a conectar-se com o mundo exterior, em parte através da audição. Porém, nem sempre é fácil percebermos quando algo não está bem, principalmente se estivermos a falar dos mais pequenos, que ainda não conseguem comunicar muito bem.
Conversámos com Vera Silva, pediatra na CUF Barreiro, para conhecer melhor os sinais de alerta a que todos os pais devem estar atentos.
O aparelho auditivo e a surdez infantil
Como funciona o aparelho auditivo de um bebé?
O aparelho auditivo do bebé desenvolve-se durante a gravidez. Começa por ouvir sons abafados, entre a 12.ª e a 16.ª semana de gestação. Na 20.ª semana de gestação, começa a ser capaz de reconhecer a voz da mãe (que é aquela que ouve melhor), vozes familiares e a ouvir sons do exterior.
No útero materno, a transmissão do som é feita através da “água” em que o bebé está envolvido, pelo que os sons e vozes mais graves chegam ao bebé com maior facilidade. Quando nasce, o bebé já ouve os ruídos que se transformaram do quase silêncio em tonalidades e timbres completamente diferentes.
Como é que a audição reduzida ou a surdez podem afetar o crescimento de uma criança?
O desenvolvimento psicomotor da criança envolve um conjunto alargado de parâmetros e prolonga-se ao longo da vida. A relação que estabelece com o exterior, através dos cinco sentidos, é crucial para a sua integração social. Assim, quando um bebé ou criança não ouve bem, ou não ouve de todo, não interage com o meio nem com as pessoas que a rodeiam, e fica retida no seu mundo, muitas vezes com diagnósticos incorretos de outras patologias.
Nem sempre é fácil detetar problemas de audição nos bebés. De forma geral, o desenvolvimento do seu aparelho auditivo, e da fala, ocorre assim:
• Numa primeira fase, o recém-nascido emite sons guturais, primitivos. Em casos normais, por volta dos 2 meses de idade, o bebé já faz aquilo que comumente se chama palrar. Emite sons com a voz, mas já numa interação com o adulto, quase como de pergunta-resposta.
• Até aos 3 meses de idade, sobressalta-se quando ouve um som forte e súbito.
• Já por volta dos 4 meses, em média, começa a emitir uma gargalhada e também descobre que consegue gritar, como se estivesse a testar o alcance da sua voz, para chamar a atenção do adulto. Se tem resposta e reage à mesma, provavelmente estará a ouvir.
• Entre os 3 e os 6 meses, um bebé com capacidade auditiva começa a seguir o som com o olhar e pode despertar facilmente com ruídos.
• Entre os 6 e os 9 meses inicia a emissão de sílabas, preparando-se para a construção da palavra. Considera-se uma palavra quando tem sentido, ainda que o bebé não a diga na sua totalidade. Por exemplo, se corresponder ao ser ensinado a dizer mãe ou pai, mesmo que com “mã” e “pá”, muito provavelmente está a ouvir.
• Entre os 6 e os 12 meses já vira a cabeça na direção de sons mais baixos. Em média, aos 12 meses, diz uma a duas palavras, que muitas vezes, entre os 12 e os 15 meses, se perdem e retornam posteriormente.
• Por volta dos 18 meses já dirá um mínimo de 6 palavras. Se esta evolução não acontece, é importante a vigilância reforçada, porque se a criança não fala, pode significar que não ouve. Esta deve ser a primeira hipótese colocada e traduzir-se num alerta para os pais e para os educadores de infância.
• Quando chega aos dois anos, a criança já tem um vocabulário mais extenso e constrói frases curtas, de duas palavras. Se não o fizer, poderá também ser um sinal de alerta para o estado da audição.
• Já na idade escolar, quando a criança parece distraída, no seu mundo, a primeira suspeita não deve ser um défice de atenção ou perturbação do espectro do autismo, mas sim se está a ouvir bem. Pode ser algo que não tenha sido detetado anteriormente, ou acontecer numa criança que teve muitas otites, ao longo da sua vida.
O que pode causar a surdez ou audição reduzida?
As causas possíveis de surdez são múltiplas, desde infeções a intoxicações, traumatismos, hereditariedade, entre outras, que podem ser congénitas ou surgir ao longo da vida, de tal forma que todas as idades poderão ser alvo de estudos de audição. No caso dos bebés, a surdez severa afeta 1 em cada 1000 recém-nascidos.
Quais os cuidados a ter com os bebés e crianças para evitar uma possível perda de audição?
A perda auditiva tem-se tornado, cada vez mais, um problema de saúde pública. No caso das crianças e jovens, o principal fator de risco de perda auditiva é a exposição ao ruído. A história familiar de perdas de audição ou diminuição da acuidade auditiva também é relevante e, caso se verifique, a criança deverá ficar de imediato em vigilância reforçada.
É fundamental usar protetores auditivos em ambientes ruidosos e utilizar de forma controlada leitores de música e fones, mantendo o volume em níveis adequados. Pode também ser importante utilizar protetores de água, na praia ou na piscina, por exemplo.
As escolas e os professores desempenham um papel fundamental na promoção da saúde, devendo alertar as crianças, os jovens e as suas famílias sobre os cuidados a ter, no que diz respeito à má utilização dos leitores de música, patologia do ouvido médio e alergias, que podem colocar em causa a audição.
Também é fundamental não falhar consultas e exames de rotina. Nas consultas de saúde infantil, o pediatra deve estar atento aos sinais de desenvolvimento da audição, através da evolução da linguagem. Cada criança é um ser individual e pode ter o seu tempo de início da linguagem, mas há que estar atento.
A audição relaciona-nos com o mundo, pelo que é importante a vigilância regular, para reduzir o número de situações irreversíveis e melhorar a qualidade de vida das famílias. Quanto mais cedo se perceber que a criança não ouve, mais rapidamente serão tomadas medidas para a tratar ou para concluir outros diagnósticos.