Saúde

Aborto: três testemunhos e seis experiências muito pessoais

Três mulheres partilharam connosco as suas histórias de aborto. Duas delas com mais do que um caso para contar. Todas marcadas por uma experiência que não se esquece.

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Aborto: três testemunhos e seis experiências muito pessoais Aborto: três testemunhos e seis experiências muito pessoais
© pexels
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Ago. 27, 2019

De forma induzida ou espontânea, o aborto é um evento traumático na vida de uma mulher e/ou casal. Para muitas até se torna num assunto tabu. Neste artigo, desmistificamos o tema, contando na primeira pessoa a forma como três mulheres o viveram.

O aborto espontâneo acontece mais do que se pensa. Segundo os últimos estudos, muitas vezes é confundido com a menstruação. Cerca de 15% das mulheres que engravidam podem ter um aborto espontâneo. E 75% a 80% destes abortos ocorrem até à 12ª semana de gestação.

O aborto induzido ou interrupção voluntária da gravidez (IVG), em Portugal, é permitido por lei desde 2007. Um ano mais tarde, aumentou progressivamente até 2011, segundo o último relatório da Direção Geral de Saúde (DGS).

Nos anos seguintes, a tendência foi oposta. Entre 2011 e 2017, as IVG (até às 10 semanas) decresceram 25,2%. Sendo que, só entre 2016 e 2017, diminuíram 3,4%.

Cada uma das mulheres com quem falámos tem uma (ou mais) história de abortos diferentes. Com mais ou menos sentido prático, cada uma sentiu a experiência à sua maneira, mas a marca ficou lá.

A maioria das mulheres não gosta de falar do assunto. As que entrevistámos são a exceção.

Sandra Smith (nome fictício), 48 anos

testemunhos sobre o aborto

A luso-britânica passou por três abortos. Um induzido, aos 22 anos, e dois espontâneos, aos 31 e 42 anos.

“A minha primeira experiência de aborto aconteceu quando estava no último ano de enfermagem, em Londres. Ainda nem tinha começado a trabalhar, por isso ter um filho estava fora dos meus planos, naquele momento.

Apesar dos enjoos constantes, demorei a perceber que estava grávida, porque tive uma menstruação que me confundiu. Tinha de pensar e agir rápido. Já não tinha muito tempo para poder fazer o aborto dentro dos prazos legais, em Inglaterra.

Mesmo assim, ainda pensei muito sobre a situação e conversei com o meu namorado. Tal como eu, ele estava em início de vida. Tínhamos 22 anos. Esta situação foi um grande susto para nós. Mas de imediato concordámos que o melhor era interromper a gravidez. Até porque a nossa relação já estava tremida.

Não era suposto ter engravidado antes da boda, mas fiquei feliz.

Lembro-me que o Alfred ainda ficou mais triste e chorou mais do que eu. O procedimento cirúrgico correu bem. Fui sozinha, porque ele estava a trabalhar. Mas, sinceramente, isso não me fez confusão. Meses depois, a nossa relação terminava, mas ainda hoje somos grandes amigos.

Anos mais tarde, aos 31 anos, passei por outra experiência de aborto, desta vez, espontâneo. Descobri durante os preparativos para o casamento com o meu atual marido. Não era suposto ter engravidado antes da boda, mas fiquei feliz.

Na sétima semana de gestação tive uma grande hemorragia e, claro, pensei que só poderia estar a passar por um aborto espontâneo. Não escondo que foi um choque, mas ainda tinha tempo para pensar em filhos. Por isso, enfrentei a situação com conformismo. Dois anos mais tarde, tive a minha primeira filha.

Decidi ir a uma clínica para interromper a gravidez. Só que na hora H, desisti.

A minha terceira e última experiência de aborto foi horrível. Já tinha 42 anos, e a minha filha mais nova ainda precisava muito de mim. Só tinha três anos.

Confesso que julgava que não ficaria grávida, porque pouco fazia sexo e, mais uma vez, tive um período, para me confundir. Na altura, trabalhava imenso, a minha filha era uma criança difícil e sentia-me estafada. Não queria mais filhos.

De tal forma que, depois de conversar com o meu marido, decidi ir a uma clínica para interromper a gravidez. Só que na hora H, desisti. Não tive coragem.

Só que à 12ª semana de gestação, voltei a passar por um aborto espontâneo. Foi complicado, em especial porque estava de férias a acampar com a família, no sul da Inglaterra. O timing e o local não poderiam ter sido piores.

Já no hospital, disseram-me que estava mesmo a perder o bebé, que o feto não estava em condições e que o melhor era libertá-lo sozinha. E assim o fiz. Mandei o meu marido sair com as miúdas, para elas não se aperceberem de nada, e expeli o feto, como num parto normal.”

Lorena Vera Calilo, 39 anos

testemunho de Lorena Calilo

Natural do Brasil, a viver em Portugal há cerca de oito meses, Lorena passou por um aborto espontâneo aos 19 anos. Tem quatro filhos.

“Sofri um aborto espontâneo aos 19 anos, tinha o meu primeiro filho um ano e meio. Foi uma surpresa e um susto! Apesar de não tomar anticoncecionais, não me passava pela cabeça que estaria a passar por esta situação.

Tudo começou num dia normal de trabalho. Comecei a sentir umas cólicas muito fortes, e imaginei que fosse a menstruação a vir. Nem estranhei o fluxo constante, porque sempre tive menstruações agressivas.

Como o meu marido estava fora em trabalho, acabei por ir para a casa da minha mãe. Só que a meio da noite, como a hemorragia não parava nem por nada, o meu padrasto levou-me para o hospital. Cheguei lá desmaiada, porque tinha perdido muito sangue. Só acordei no dia seguinte, já internada.

Estavam lá a minha mãe e as minhas tias, incluindo uma ginecologista. E começaram logo a ralhar-me. Insinuaram que eu tinha provocado o aborto, ingerindo alguma substância.

Tinha de tomar cerca de quatro remédios para aguentar a dor

A minha tia ginecologista explicou-me que eu tinha sofrido um aborto e que já ia com dois meses de gestação. Entrei em pânico, porque nem sabia que estava grávida, quanto mais que estava a abortar. Sem falar que todas aquelas insinuações deixaram-me muito chocada.

Tive de fazer uma curetagem. Ou seja, foi necessário ‘raspar’ o útero para não ficar lá nada. Chorei muito. Querendo ou não, fiquei abalada. Voltei para casa e isolei-me.

A pior parte foi que tive de parar de amamentar o meu filho, uma vez que a medicação para limpar o útero e estancar o sangue não era compatível com a amamentação. Só que eu não me conformei com isso e, uma semana depois, já estava a amamentar o meu filho.

Eu era muito magra. Tinha perdido muito sangue e passar por todo aquele processo, mexeu muito comigo e com o meu útero. Tinha de tomar cerca de quatro remédios para aguentar a dor.

Toda esta experiência deixou-me muito abalada. Como tal, não quis ter relações sexuais durante muito tempo. Mas, aos 21 anos, voltei a engravidar. Desta vez, tratou-se de uma gravidez ectópica. Precisei de mais um mês para recuperar e cheguei a pensar que não iria ter mais filhos. Só que tive mais três meninas. E está a ser uma ótima experiência.”

Madalena Duarte (nome fictício), 44 anos

testemunho de Madalena Duarte

Sofreu dois abortos espontâneos no espaço de nove anos. No intervalo, teve um filho, agora com cinco anos.

“Apesar de nunca me ter passado pela cabeça interromper a gravidez voluntariamente, quando engravidei pela primeira vez, apanhei um grande susto. Fiquei desnorteada, sem saber como ia ser o meu futuro. Estava desempregada e o meu namorado tinha um daqueles empregos temporários. Não estávamos preparados para uma responsabilidade maior.

Apesar de namorar há 13 anos e já ter 34 anos, tinha uma relação descontraída e sem obrigações. Esta gravidez parecia um sinal para eu amadurecer rápido.

Nove anos passados, já com um filho pequeno, voltei a passar pelo mesmo.

Quando fui comprar o teste de gravidez, talvez por causa do meu ar grave, a farmacêutica disse-me que se eu tomasse uma certa mistura, acabaria por perder o bebé de forma natural. Nem hesitei. Tomei o que ela me sugeriu, mas não aconteceu nada.

Os dias passaram-se e comecei a gostar da ideia de estar grávida. Até que, mesmo antes de fazer 12 semanas de gravidez, contei à família e amigos. E fiz mais. Fui comemorar com um grupinho de amigos. Só que foi ‘sol de pouca dura’. Dois dias depois, abortava de forma espontânea.

Nove anos passados, já com um filho pequeno, voltei a passar pelo mesmo. A diferença é que estava mais madura e sabia o que queria. Só me preocupava a idade, porque aos 43 anos as hipóteses de aborto espontâneo ou outros problemas são acrescidas.

Seja como for, marquei consulta no centro de saúde, fiquei isenta de taxas moderadoras e trouxe as credenciais para fazer todos os exames e análises necessárias para aquela fase da gravidez. Sentia-me feliz mas, ao mesmo tempo, assustada, porque já sabia que era preciso muita energia para tratar de um bebé.

De forma mais controlada e consciente, lá avisei uma ou outra pessoa mais próxima. Mas estava a medo. Sentia que a qualquer momento podia voltar a passar por aquela desilusão. E não queria nada. Queria muito dar um irmão ao meu filho. Ele costumava pedir-me e eu fugia à resposta. Parecia que adivinhava.”


Já passou ou conhece alguém que tenha passado por uma experiência semelhante? Leia ainda história de Catarina, que aos 26 anos sofre de endometriose.

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