São muitos os casais para quem conversar sobre a sua sexualidade gera um verdadeiro desconforto. Na verdade, esta realidade muitas vezes advém da dificuldade que foi (e que ainda é) conversar sobre este tema ao longo da sua vida, nomeadamente dentro da sua família de origem.
Muitas famílias não se sentem confortáveis em falar de sexualidade, sendo um tema onde ainda se encontram muito facilmente tabus, constrangimentos e silêncios intergeracionais. Em muitas culturas, o sexo é visto como um assunto proibido, reservado apenas à vida adulta e conjugal, podendo este ser interpretado como uma ameaça aos valores morais da família.
Por outro lado, em muitas famílias, onde existiu o padrão do evitamento da comunicação sobre a sexualidade, podem sentir vergonha em abordar esta temática ou mesmo o medo que a comunicação possa de alguma forma incentivar a iniciação sexual precoce dos seus filhos. Sem grandes referências, modelos ou palavras certas, muitas famílias foram ou vão ainda remetendo-se a um silêncio constrangedor que não responde a perguntas e dúvidas que poderiam (ou poderão) ser verdadeiramente essenciais para um saudável desenvolvimento da sexualidade.
Podemos imaginar que nascemos com um solo rico e fértil, e que este se tornará no jardim da nossa sexualidade. A nossa família de origem e a cultura à nossa volta plantam ideias sobre o nosso corpo, a nossa sexualidade, a intimidade, a identidade de género, a proximidade, o amor e a segurança. Quando chegamos à idade adulta, o nosso jardim está repleto de ideias de como deveremos ser ou agir como pessoa sexual. Alguns de nós têm a sorte de ter um jardim plantado com coisas bonitas e de poder facilmente cultivá-las e colhê-las.
Outros, têm coisas bastante tóxicas plantadas no seu jardim mais íntimo. São estes jardins que serão visitados quando estamos num relacionamento longo. O casal começa a construir um jardim compartilhado e com a esperança de que as ervas daninhas das coisas menos bonitas ou mais tóxicas que residiam em cada um dos jardins, não estrangule ou destrua a possibilidade de vivermos num jardim florido e harmonioso.
É comum, em consultório, o acompanhamento de muitos casais cujos elementos chegam à consulta com falsas crenças, distorções, narrativas, medos e com grande desconhecimento face à vivência da sua sexualidade, gerando um sofrimento imenso nestas pessoas e tantas vezes uma sexualidade e relação conjugal vivida com tremenda insatisfação.
Importa, por isso, considerar que o acesso a uma educação sexual e a todo o conhecimento científico que nela reside é um direito de todos nós e que permite:
• um melhor conhecimento face ao nosso próprio corpo (promovendo autocuidado, autoestima e integridade física);
• desenvolver consciência sobre consentimento (compreender que o nosso corpo e o corpo de outrem são invioláveis, que um “não” deverá ser sempre respeitado e que relações saudáveis baseiam-se no respeito mútuo e num desejo partilhado);
• um melhor conhecimento de métodos contracetivos (cada vez mais jovens estão a abdicar de os utilizar, com os riscos que estes comportamentos representam);
• oferecer uma linguagem emocional e relacional à sexualidade (sentimentos, limites, desejos, desconfortos, tornando mais fácil lidar com experiências reais);
• desmistificar tabus e preconceitos (reconhecendo a diversidade de orientações, identidades e expressões de género, possibilitando uma compreensão mais inclusiva das diferentes nuances que a sexualidade humana poderá adotar, essencial para uma sociedade mais compreensiva, respeitadora face aos direitos humanos);
• reforçar a autoestima e o autoconceito (promovendo a aceitação do próprio corpo, respeito pelos ritmos, desejos e valorização da intimidade com base no afeto e em escolhas conscientes).
Contudo, para que o casal consiga melhor comunicar sobre a sua sexualidade, poderá ser em primeiro lugar essencial construir uma dinâmica marcada pela segurança emocional. Os casais não conseguirão arriscar falar sobre os seus maiores medos, fantasias ou inseguranças, em despirem-se emocionalmente diante um do outro, num contexto onde a crítica, a culpa, a humilhação ou o desdém poderão ocorrer.
Devolver a segurança à comunicação do casal
O primeiro passo para o casal comunicar melhor sem se magoar, consiste neste aprender a reconhecer a sua música, o ciclo de interação no qual ficam frequentemente aprisionados, incapazes de escapar e que distancia e destrói a relação. Em observar a sua dança e compreender o que esta revela sobre a sua relação. Observar como (não) respondem um ao outro, às necessidades que são apresentadas, percebendo que, se atacar, coloco o outro numa posição defensiva, tornando-o menos aberto, menos disponível e menos responsivo a mim.
Ou que, se nos distanciarmos e nos fecharmos diante de um assunto, colocamos a nossa pessoa parceira numa posição distante/separada de nós e sozinha, arrastando-a para uma posição de protesto, zanga e gritos desesperados pela sua reconexão. Este é o ciclo de muitos casais e que os torna tão reativos ou distanciados, impedindo uma comunicação saudável e eficaz dos mais variados temas, nomeadamente sobre a sua sexualidade, sendo um tema que coloca ambos os elementos do casal diante de uma vulnerabilidade que pede por segurança total.
Para o casal construir uma nova dinâmica relacional em torno da sua sexualidade, será importante conseguir trazer até esta os sentimentos, as emoções, as necessidades, permitindo igualmente um espaço consciente para a partilha do outro.
Criar novos padrões relacionais implica construir uma autoconsciência mútua, onde a compaixão e a confiança fazem parte, assim como um lugar de afirmação dos dois elementos, sendo a segurança emocional a chave para melhorar toda a dinâmica relacional.
Pontos esssenciais que o casal deve saber para melhor comunicar
Sabermos o que comunicar é verdadeiramente essencial, para então o casal conseguir mais tarde explorar entre si.
Aceleradores e travões sexuais
O desejo humano é regulado por dois sistemas distintos, como se fossemos um carro com dois pedais: o sistema de excitação sexual (pedal do acelerador) e o sistema de inibição sexual (pedal do travão).
• Aceleradores: são os fatores ou sinais que despertam o nosso interesse, entusiasmo e desejo por intimidade. Poderá ser o afeto, proximidade emocional, apelo visual, novidade, toque específico, um determinado clima ou ambiente certo no contexto do casal;
• Travões: são os fatores que diminuem o desejo ou inibem a excitação. Alguns travões comuns são o stress, o cansaço, a ansiedade, fadiga, a insegurança, distrações, os conflitos não resolvidos do casal, problemas ou preocupações de vida, traumas, etc.
O casal conseguir perceber como estes dois sistemas de cada um dos elementos funciona, permite comunicar de uma forma mais clara e eficaz entre si, em alternativa a uma comunicação vaga, confusa e tantas vezes errónea. Por exemplo “porque não ando com vontade” é bastante diferente de “ando a sentir-me bastante stressado e isso carrega a fundo no pedal do travão”.
Desejo responsivo vs. desejo espontâneo
É muito comum, os casais pensarem que o desejo espontâneo (o interesse sexual que surge aparentemente do nada) é aquilo que deverá acontecer naturalmente. Mas o desejo responsivo (o interesse que surge em resposta à proximidade emocional, ao toque físico ou a outros sinais) é igualmente válido e absolutamente normal. Quando o casal compreende isto, poderá ser bastante transformador para a sua vida.
Na verdade, são inúmeros os casais que se sentem insatisfeitos porque o desejo espontâneo não acontece com a frequência que desejariam. Compreender que o desejo responsivo é tão normal como o espontâneo ajuda o casal a sentir-se menos pressionado e a disponibilizar-se a novas formas de se conectar intimamente.
O poder do contexto
O desejo não existe isoladamente, ele é profundamente influenciado pelo contexto. Fatores stressantes como conflitos não resolvidos, insegurança emocional ou pressões externas podem reduzir drasticamente o desejo. Deste modo, quando os elementos se sentem seguros, protegidos e emocionalmente conectados, potencia-se o aumento do desejo.
Quando o casal conversa sobre sexo e intimidade poderá ser importante melhor compreenderem a influência do contexto. Por exemplo: “Que tipo de ambiente ajuda cada um a sentir-se mais confortável e envolvido sexualmente?”; “Como podemos melhorar o nosso ambiente de modo a sentirmos mais segurança e conexão emocional e potenciar a intimidade?”.
Como falar de intimidade sexual?
Passo 1: Estabelecer segurança emocional
Quando o casal inicia as suas conversas sobre a sua sexualidade, é essencial conseguir estabelecer a segurança emocional em primeiro lugar. Trazer para cima da mesa da relação as intenções e objetivos que têm, como a conexão e compreensão mais profundas entre si e não acusações, críticas ou desvalorizações de parte a parte.
Passo 2: Tazer curiosidade
Poderá ser importante trazer a curiosidade, o não julgamento e a validação (não implica concordar) para as suas conversas. Por exemplo: “Penso que seria importante percebermos o que ativa o teu acelerador ou o teu travão para melhor compreendermos o que ajuda e o que atrapalha o desejo e o prazer na nossa relação”.
Passo 3: Identificar os aceleradores e os travões claramente
O casal deverá ser específico sobre o que acelera ou trava o seu desejo. Por exemplo: “Quando temos tempo de qualidade os dois, para conversar, estar, rir ou relaxar, sinto que fico com muito mais desejo”. Cada um dos parceiros deverá partilhar os seus próprios aceleradores e travões, abrindo espaço para reconhecer como poderão ser tão diferentes entre si. Poderá abrir espaço para o casal conversar sobre necessidades, fantasias, objetos sexuais, etc.
Passo 4: Falar abertamente sobre desejo espontâneo e responsivo
Por exemplo: “Dou conta que o meu desejo deve ser mais responsivo, pois reparo que sinto desejo apenas quando passamos um tempo juntos primeiro” ou “Dou conta que o meu desejo deve ser mais espontâneo, porque basta chegar ao pé de ti e ver-te e sinto um desejo imediato de estar contigo intimamente”.
Passo 5: Estarem atentos ao contexto
Conversarem como o ambiente e estado emocional afeta a intimidade. “Eu sinto a necessidade de priorizarmos a resolução dos conflitos mais cedo e de forma eficaz, conversando realmente sobre as coisas, as nossas emoções e necessidades, para que não prejudique a nossa intimidade sexual. Quando não o fazemos, sinto que não tenho vontade alguma que o sexo aconteça, nem se quer de ser tocada(o)”.
Muitas vezes os casais precisam de se compreender e voltar a olhar-se de forma diferente, normalizada, e não com todas as ideias irrealistas, de perfecionismo, de medo ou de insegurança que trouxeram consigo vida fora. O casal precisa de compreender que não é um problema. Que cada um dos elementos não é um problema! Que a diferença que existe entre si poderá ser absolutamente normal. Que muitas vezes advém de lugares mais profundos e absolutamente vulneráveis que necessitam de ser vistos, compreendidos, abraçados ou aceites, quando neles tememos ver (ou ser vistos) como um defeito.
Devolver o prazer ao sexo
Podemos encarar o erotismo como a poesia da sexualidade. Advém de uma multiplicidade de estímulos, nomeadamente da imaginação, das fantasias, de estímulos sensoriais, como cheiros ou imagens. O cérebro será sempre o maior órgão sexual, a par da nossa pele. O cérebro ativa-nos enquanto seres humanos, retirando-nos de um estado de neutralidade e passividade sexual e colocando-nos num estado de excitação sexual, abrindo portas para a nossa disponibilidade e vivência sexual. É o grande centro de comando de todas as nossas emoções, inclusive da excitação e do prazer.
Atualmente, talvez a grande tarefa da conjugalidade seja a de investir no erotismo. Isso implica uma responsabilização e ganho de consciência em relação à nossa própria sexualidade, ao nosso desejo e à nossa relação, conciliando o aparente antagonismo entre a necessidade de segurança e a necessidade de novidade.
É assim necessário cultivar a intimidade profunda, o compromisso, a sexualidade, deixando um espaço saudável para o erotismo fluir, para a curiosidade e descoberta do outro. O amor morre por apatia, por inércia, por silêncio, por conscientemente fecharmos os olhos ao facto de que a intimidade (seja emocional, seja sexual) necessita de cuidado, de atenção, de intenção, de compromisso, de palavras profundas e honestas e gestos para se manter vida e fazer o espaço erótico ressurgir.