Saúde

“Encontrei um propósito no indesejado e difícil caminho da infertilidade”

Joana Folgado vive um tema cada vez mais comum – o da (in)fertilidade. É um rótulo que se recusa a aceitar e que veio dar um novo sentido à sua vida.

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“Encontrei um propósito no indesejado e difícil caminho da infertilidade” “Encontrei um propósito no indesejado e difícil caminho da infertilidade”
© D.R.
Escrito por
Mar. 06, 2020

Desde que me lembro, sempre desejei ser mãe. Cuidar dos bonecos como filhos foi desde sempre a minha brincadeira mais comum. Um sonho que jamais imaginei ser tão difícil de concretizar. Afinal, a natureza está desenhada para que isso aconteça com normalidade e ninguém nos prepara para um caminho diferente deste.

Em toda a minha vida, sempre fui de fazer acontecer, pôr o meu esforço e dedicação no alcance de resultados. E as coisas foram acontecendo, com aparente controlo e sucesso. Nada me fazia perspetivar que na concretização do meu maior sonho, o de ser mãe, as coisas seriam diferentes.

Em 2015, um ano depois de casarmos, eu e o meu marido decidimos começar a tentar engravidar e, passados 6 meses, nada tinha acontecido.

No meu registo habitual de fazer tudo ao meu alcance, explorei uma infinidade de potenciais soluções e pu-las em marcha. Preenchi a agenda de consultas, exames, análises, nutricionista, sessões de acunpunctura, ioga, meditação, diferentes terapias, instalei aplicações de controlo de ovulação, etc. O meu marido desde logo alinhou em fazermos todos os despistes médicos para averiguar causas de infertilidade. Uma corrida contra o tempo, na busca de controlo e de garantir o resultado.

E o resultado não vinha.

Sempre que ouvia histórias de casais em processos de infertilidade, jamais nos imaginava nessa situação

Avançar para Fertilização in Vitro? Uma decisão difícil

Os exames clínicos vieram indicar uma baixa reserva ovárica que, segundo o médico, significa uma baixa quantidade de óvulos disponíveis, uma situação que acontece, de forma natural, à medida que a idade avança.

No meu caso, a situação era diferente. “Tem 30 anos, mas é como se o seu ovário tivesse mais 10 anos. Está envelhecido. Tem menos óvulos que o normal e a sua qualidade pode também estar comprometida.”, disse-me o médico.

Recomendou-nos avançar de imediato para Fertilização in Vitro (FIV). Ficámos em choque. Até então, sempre que ouvia histórias de casais em processos de infertilidade, jamais nos imaginava nessa situação e, de repente, estávamos nesse filme.

Avançar para a FIV não foi uma decisão fácil. Sentia a frustração e a culpa de não conseguir ter um bebé por via natural, como via acontecer de forma fácil com os casais à minha volta. Mas, com o medo de o nosso sonho não se concretizar e sentindo a urgência do tempo a correr, lá avançámos.

Tínhamos a esperança que o tratamento fosse finalmente resolver a nossa situação. Mas não foi o caso. Depois de 15 dias de injeções para estimular a produção de óvulos e controlo do crescimento dos folículos por ecografias, fizemos a mini-cirurgia para extracção dos óvulos e a recolha do esperma. Após 24 horas intermináveis, o laboratório informou-nos que, por falta de qualidade, os 4 óvulos extraídos não puderam ser fecundados.

Fazer tabu deste tema gera uma carga emocional acrescida e que agrava muito o sofrimento natural de quem vive este processo

A dificuldade em gerir emoções

Comecei a sentir um turbilhão de emoções com as quais tinha dificuldade em lidar – tristeza, ansiedade, medo, angústia, impotência, stresse, desânimo. Sentia-me muito sozinha e, por isso, procurei ajuda de uma psicoterapeuta que me acompanhou durante vários anos e que é, hoje, uma das pessoas a quem mais agradeço pelo apoio emocional nesta caminhada.

Recordo-me de tudo se ter tornado emocionalmente mais fácil quando resolvi contar a nossa situação às pessoas à nossa volta que desconheciam o que se passava. As habituais perguntas “Então, e para quando bebés?”, que geravam um nó na garganta e profunda tristeza, deixaram de existir e, no trabalho, deixei de ter de arranjar álibis para justificar as idas a sucessivas consultas.

As pessoas mostraram compreensão, suporte e empatia, o que me ajudou imenso. Na minha opinião, fazer tabu deste tema gera uma carga emocional acrescida que agrava muito o sofrimento natural de quem vive este processo.

O que parece fácil de acontecer, engravidar, é verdadeiramente um milagre

Depois do insucesso com a primeira FIV, o médico disse que poderíamos avançar para uma segunda tentativa, utilizando desta vez diferentes fármacos nas injeções para ver se os ovários dariam melhor resposta.

Assim fizemos, mesmo procedimento, mesmo controlo, mesma ansiedade e mesmo resultado. Desta vez, foram extraídos 5 óvulos e, mais uma vez, não foi possível a fecundação.

Nestes processos dei-me conta do milagre que é o gerar vida. O que parece fácil de acontecer, engravidar, é verdadeiramente um milagre. É necessário um alinhamento preciso (diria que quase mágico e divino) de inúmeras variáveis.

Ver a abundância do que vivemos e não a escassez do que nos falta é uma fórmula mágica para vivermos melhor

Reconheço hoje o quanto a minha vida é fértil

Preparo-me agora para uma terceira FIV. Mantenho-me neste processo, com o mesmo sonho, com a mesma esperança, mas sinto-me bem diferente da Joana que, há 5 anos, começou esta caminhada.

Hoje vivo mais tranquila e feliz. Sei que não posso controlar os resultados, por isso foco-me no que posso fazer para me sentir melhor, física e emocionalmente. Tenho um estilo de vida saudável (boa nutrição, sono, exercício físico, suplementos) e faço atividades que me nutrem e dão prazer (entre elas a biodanza, o ioga, a escrita).

Consigo ver tudo o que tenho de bom hoje na minha vida, especialmente uma família maravilhosa. Um marido cinco estrelas – companheiro, amigo, amante – e parentes de sangue e coração. Ver a abundância do que vivemos e não a escassez do que nos falta é uma fórmula mágica para vivermos melhor.

Não tenho um bebé, ainda, mas tenho vivido tantas outras coisas maravilhosas que não seriam eventualmente tão fáceis de acontecer

Não digo com isto que, de repente, tudo é fácil. O choro, o desânimo, a tristeza e o medo por vezes surgem. Sei que faz parte e que é no vivenciar esses momentos que encontro a força para superar e encontrar nova esperança e fé. Afinal, cada ciclo menstrual obriga a um processo de luto, de superar uma perda  de um bebé tão sonhado e desejado.

O que mais me tem ajudado neste caminho é o de encontrar novos significados. Não tenho um bebé, ainda, mas tenho vivido tantas outras coisas maravilhosas que não seriam eventualmente tão fáceis de acontecer (ou até possíveis) se já tivesse sido mãe. Dediquei tempo a formar-me no que mais me apaixona – desenvolvimento pessoal e dança – mudei de país e iniciei-me em novos projetos profissionais.

Assim nasce o projeto Uma vida mais fértil

De entre uma lista infindável, tive a oportunidade de conhecer duas mulheres, que também vivem uma jornada de infertilidade e que partilham do mesmo sonho, o de dar voz a este tema da infertilidade e o de reunir e apoiar outras pessoas que estejam neste caminho.

Testemunho que este tema é vivido, na maior parte das vezes, em silêncio e sofrimento. E não tem de ser assim. Eu própria procurei, em dado momento, por grupos de apoio ou algo específico nesta área e pouco ou nada encontrei.

Foi com este forte desejo que a Joana Freire, a Andreia Trigo e eu nos juntámos, no final de 2019, para criar o projeto Uma vida mais fértil.

 

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O nosso sonho e missão é o de criar espaços de partilha, de informação e de disponibilização de ferramentas que ajudem, do ponto de vista físico e emocional, quem vive a jornada da infertilidade, proporcionando uma vida mais fértil, de maior equilíbrio e realização.

A primeira iniciativa que “damos à luz” neste âmbito é o evento Uma vida mais fértil, a realizar-se no dia da Mulher, 8 de Março, e destinado a todas as mulheres que estejam também a viver um processo de infertilidade. Saiba tudo sobre o evento, aqui.

Quero transformar a minha experiência em serviço aos outros

Paralelamente, estou também agora a lançar um programa destinado a mulheres – Círculo da Fertilidade – que se estenderá ao longo de 9 encontros, e que pretende dar resposta ao que sinto ser um dos maiores desafios e perigos de quem vive esta jornada, o de centrar toda a sua vida, existência e foco em ter um bebé, e de esquecer tantos temas importantes.

Quem sou eu, para além de um sistema reprodutor? Quais são os meus sonhos? Como me nutro e vivo relações mais harmoniosas? Como lido com as emoções negativas que surgem e vivo uma vida mais abundante e feliz? Em formato de círculo, iremos abordar estas e outras temáticas, utilizando várias ferramentas na área do desenvolvimento pessoal e combinando técnicas para mente e corpo.

Sinto que encontrei um propósito no indesejado e difícil caminho da infertilidade. Porque bem conheço a dureza deste percurso tantas vezes vivido de forma solitária, decidi pôr o meu conhecimento e a minha experiência pessoal ao serviço de quem esteja neste caminho e sinta que precisa de ajuda, no sentido de encontrar mais direção, abundância e equilíbrio emocional nesta jornada.

Com background académico e profissional na área de gestão de empresas, Joana Folgado é também coach, facilitadora de círculos e de biodanza, conjugando no trabalho a utilização de diferentes técnicas relacionadas com a mente e o corpo. Um trabalho ao qual se dedica de paixão e coração.

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