Relações e família

Crónica. 7 questões a considerar sobre o divórcio com filhos

Terminar um relação pode ser doloroso, pode ser transformador, pode ser uma porta que se fecha e um novo caminho que começa. Embora possa ser tudo isto ao mesmo tempo, quando existem filhos não chega apenas procurar um novo começo. É necessário encontrar um novo “nós”.

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Crónica. 7 questões a considerar sobre o divórcio com filhos Crónica. 7 questões a considerar sobre o divórcio com filhos
© twenty20
Catarina Canelas Martins
Escrito por
Fev. 25, 2021

Um divórcio é muitas vezes um momento de decisões, de viragem, de transições. Pode ser mais ou menos doloroso, mais ou menos previsível, mais ou menos arrebatador… Mas aquilo que sabemos é que, no caso de existirem filhos comuns, pode ser tanto uma alavanca para a separação, porque não queremos viver em disfunção e passar modelos corrosivos para os nossos filhos, como pode ser um travão, adiando o inevitável por medo das suas reações.

Sabemos que muitos pais temem a reação dos filhos perante uma separação. Em consulta, ouço muitas vezes que o divórcio não é ou não foi opção mais cedo porque “temos filhos”. O sofrimento dos mais novos perante um divórcio é visto pelos pais como algo que eles estão a provocar, e todos querem evitar a todo o custo que os filhos passem por isso.

Muitos trazem ainda consigo histórias de divórcios terríveis, de dinâmicas disfuncionais. Outros, memórias de infância, com pais infelizes que se “deviam ter separado” mas nunca o fizeram.

Hoje, quero fazer-vos refletir sobre esta questão: o divórcio, quando chega, traz consigo uma realidade que pode até ser dolorosa, contudo, pode ser muitas vezes o caminho mais saudável para todos, incluindo para os seus filhos, que irão ter de se ajustar. A forma como os pais irão reagir e ajustar-se, esse sim é o ponto fulcral!

7 questões sobre o divórcio com filhos

1. O divórcio é do casal

Este é um ponto bastante difícil. Na verdade, o divórcio com filhos afeta todo o sistema familiar e traz consigo mudanças que afetam toda a família. Ter consciência que o divórcio acontece no casal é apenas um lembrete para que não se esqueçam que continuam a ser pais.

Enquanto pais, terão de continuar a comunicar, ou aprender a fazê-lo, de forma funcional. É importante:

  • Ajustar expectativas – o que espero que continue a acontecer ou deixe de acontecer?
  • Definir limites – que tipo de contactos são aceitáveis para mim? Que relação faz sentido para mim ter com o outro?
  • Comunicar de forma clara e assertiva – transmitir ao outro aquilo que espera, precisa, deseja e estar disponível para perceber e ajustar-se ao que o outro comunicar.

Não se esqueçam que é impossível não comunicar e até no silêncio se comunicam mensagens. A estratégia de não falar com o outro ou ser rígido nessa comunicação irá contribuir para mal-entendidos e, consequentemente, será nocivo para os filhos.

2. Comuniquem aos filhos a decisão

Quando a decisão é tomada pelo casal, o ideal será comunicá-la aos filhos em conjunto. Neste momento, já estarão a transmitir aos vossos filhos a forma como querem que eles continuem a olhar para vocês. Enquanto pais deles, enquanto equipa!

Preparem-se para esta conversa, percebam aquilo que querem transmitir aos vossos filhos e estejam disponíveis para esclarecer dúvidas, preocupações e acolher as emoções que irão surgir.

O foco nos factos pode ajudar, pois cada um de vocês terá um sentir e uma versão própria. O consenso irá ajudar os vossos filhos a compreenderem e a não se perderem nas fragilidades dos pais.

Quanto mais os adultos definirem os limites da informação que passam para os filhos, melhor os filhos se conseguirão regular face a esta nova realidade
Catarina Canelas Martins Catarina Canelas Martins

3. Pais conscientes, filhos felizes

Se antes do término a saúde da relação era fundamental para o clima familiar geral, após a separação isso não irá mudar. Pelo contrário.

Sabemos que o conflito parental é um forte preditor de dificuldades na capacidade de adaptação dos filhos. Quanto mais os adultos definirem os limites da informação que passam para os filhos, melhor os filhos se conseguirão regular face a esta nova realidade sem serem forçados a tomar partidos ou formar alianças.

Sei que pode ser de facto muito duro. Afinal, cada um dos elementos está a passar por um processo de luto e isso implica emoções fortes e adaptações exigentes.

Os seus filhos irão compreender que estão todos a passar por muitas mudanças. Isso é a realidade e não tem de escondê-la. Não faria sentido, pois a base de uma relação saudável com os filhos que defendo e proponho assenta na honestidade.

Contudo, quanto mais consciente estiver de tudo o que está a viver e a sentir, melhor conseguirá responsabilizar-se por aquilo que é o seu caminho, aceitar o caminho do outro e perceber o que precisam os seus filhos. Quanto mais consciente estiver deste seu caminho individual, melhor conseguirá diferenciar papéis e estar na relação com o outro enquanto elemento da “equipa parental”.

4. Não às alianças! O pai/mãe dos seus filhos é da sua equipa

Nem todos os divórcios são tranquilos, decididos por ambas as partes e aceites. Mesmo quando o são, não deixam de ser processos de mudanças profundas que trazem consigo decisões importantes e, muitas vezes, nenhuma das partes o desejava.

Porque é importante ver o pai/mãe dos seus filhos como elemento da sua equipa? Porque caso isto não aconteça, a disfunção irá surgir. Os filhos acabarão por ocupar lugares que não são os deles e isso trará, inevitavelmente, confusão, preocupação, ansiedade.

Os filhos precisam de contar convosco, como os seus pais, mantendo a segurança de que ambos gostam deles e que não estão a competir para ganhar o vosso amor, nem têm de cuidar de vocês.

5. Manter rotinas e hábitos

A um nível mais prático, e no seguimento do tópico anterior, aqui falamos de segurança. Manter rotinas e hábitos dentro daquilo que é possível trará uma sensação de segurança e previsibilidade num ambiente que por si só já é novo e desconhecido.

Caso tenham de ser feitas alterações – de casa, escola e outras dinâmicas -, estas devem ser feitas tendo em conta a idade da criança e envolvendo-as nessa transição, com respeito pelos seus tempos e necessidades emocionais.

O tempo dos pais pode não ser o tempo dos mais pequenos. Muitas vezes não é mesmo, mas deverá haver respeito e escutar as ansiedades ou questões dos filhos para que as possa acolher e para que eles se consigam organizar e antecipar as mudanças.

Muitas vezes, as dificuldades que se desenvolveram na relação estendem-se para o divórcio, sendo infernal para os filhos que não escolheram essa realidade
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6. Deem tempo aos filhos e dê-se tempo a si

A grande ansiedade dos pais é muitas vezes o sofrimento que podem estar a provocar nos filhos. Por vezes lidamos mal com as emoções dos nossos filhos, sobretudo as que provocam mais desconforto, quando não conseguimos olhar para as nossas próprias emoções e experiências de vida como parte natural da vida e até como algo construtivo e transformador.

O poder de sentirmos todas as cores das nossas emoções é o crescimento e os ensinamentos que todas as experiências têm nas nossas vidas. Os seus filhos estão a adaptar-se a algo que é real e é normal as emoções se manifestarem em resposta a essa realidade, até com comportamentos mais desafiantes que devem ser compreendidos à luz disso mesmo.

Estar disponível para acolher, sem julgar, sem criticar e sem apressar, é o “segredo”. Eles são incríveis e, se lhes derem enquanto pais um terreno saudável para se organizarem, irão ficar surpreendidos com o seu potencial de superação e resiliência.

7. Cuide de si!

Não poderia de forma alguma deixar de recentrar a questão em si. Como deve ter percebido, a questão fulcral em todos os pontos anteriores é a capacidade dos pais se organizarem emocionalmente de modo a conseguirem passar aos filhos uma estrutura funcional. Não menos dolorosa, mas o mais saudável possível!

Nesse sentido, o trabalho a fazer passa na maioria das vezes pelo processo de autoconhecimento individual. Por ter espaço para sentir, para cuidar de si, para falar nas suas dores com alguém.

Atividades de autocuidado, uma rede de suporte ou até mesmo um profissional especializado em desenvolvimento pessoal ou especificamente em parentalidade (quando for essa a questão de preocupação ou desafio), podem ajudar!

Muitas vezes, as dificuldades que se desenvolveram na relação estendem-se para o divórcio, sendo infernal para os filhos que não escolheram essa realidade. Caso sintam que a comunicação, que já era desafiante na relação, se mantém, ou pode ser um foco potencial de dificuldade, existem psicólogos especializados em parentalidade e questões de divórcio que vos podem ajudar, individualmente ou até mesmo a dois, a lidar com essas questões.

Catarina Canelas Martins, psicóloga clínica e terapeuta Emdr, tem desenvolvido o seu trabalho nos últimos anos com famílias e adultos na Clínica de Psicologia e Coaching Learn2Be. Apaixona-a tudo o que envolva o bem-estar emocional e psicológico pois acredita que sem essa estabilidade e equilíbrio não é possível vivermos no nosso máximo potencial. Siga-a nas redes sociais Facebook e Instagram.

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