Bem-estar

“Estamos no caminho de conseguir entregar aos consumidores alimentos saudáveis”

Em que é que a agricultura sustentável está relacionada com uma alimentação também ela mais amiga do ambiente? Em tudo, na verdade. Falámos com um produtor agrícola que nos explica o essencial sobre o tema.

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“Estamos no caminho de conseguir entregar aos consumidores alimentos saudáveis” “Estamos no caminho de conseguir entregar aos consumidores alimentos saudáveis”
© Unsplash
Marta Chaves
Escrito por
Jul. 06, 2021

Funciona como uma bola de neve: produzir de forma sustentável gera alimentos com menos químicos, o que se traduz no consumo de produtos mais saudáveis e bons para a saúde. Trocando isto por miúdos, tudo começa na terra.

Muita tem sido a evolução das práticas agrícolas nos últimos anos e quem o confirma é o produtor Gonçalo Madeira, de Alcobaça. Se antes não se tinha noção da erosão dos solos e de que um dia poderíamos ficar sem eles, agora a história já é contada de forma muito diferente, e bem mais consciente.

Os produtores agrícolas não só estão mais despertos para a sustentabilidade, como os consumidores exigem mais qualidade nos alimentos que consomem. A agricultura biológica ainda é demasiado dispendiosa? Sim, talvez, mas tal acontece também porque os produtores têm custos acrescidos quando fazem este tipo de produção.

Não há como fugir. Estamos com olhos postos no futuro, mais verde, ecológico e que pensa na saúde dos consumidores.

A Saber Viver falou com o produtor agrícola Gonçalo Madeira que nos ajudou a perceber melhor o panorama português.

Entrevista a Gonçalo Madeira, produtor agrícola

Quais são as maiores diferenças das práticas de produção de há 20 anos para agora?

Em termos de produção, de há 20 anos para cá mudou principalmente a forma como olhamos para um pomar. Antigamente, por exemplo, as árvores eram vistas apenas como árvores, e hoje em dia encaramo-las como seres vivos, compreendemos a sua forma de reação, as técnicas diferentes de produção, as diferentes formas de condução da cultura pela importação destas modalidades de países como Itália, muito desenvolvido neste tema da fruticultura mais intensiva, profissional, racional e sustentável.

Houve, por outro lado, uma maior consciencialização dos agricultores por aplicação de práticas mais amigas do ambiente, com as devidas restrições em determinadas estratégias fitossanitárias antigas que não conferiam tanta segurança alimentar como hoje em dia temos. Isto aconteceu através de medidas agroambientais, métodos de produção em Produção Integrada, e mais recentemente na agricultura biológica, agricultura biodinâmica, sintrópica, natural, entre outras.

Toda a agricultura que é praticada para o consumo das grandes massas populacionais de Portugal é de origem em explorações sustentáveis – Gonçalo Madeira, produtor agrícola

Há mais cuidados com os solos?

Os solos são fundamentais para a prática agrícola: são quem alimenta, confere estrutura e garante reservas para as raízes das nossas plantas, portanto temos que vê-los como fator principal na agricultura moderna, começando pela incorporação e manutenção dos teores de matéria orgânica (já antigamente era muito usual tirar das camas dos animais estrumes e aplicá-los ao solo). Hoje em dia, a prática é similar.

Na minha opinião, antigamente não existia a consciência de que o solo é um recurso escasso e que pode “esgotar-se” pelo uso de práticas culturais insustentáveis – que hoje em dia são tidas em consideração e que levam a uma melhoria dos solos e conservação dos mesmos -, pelo que digo existir sim mais cuidados com os solos e recursos hídricos.

De que forma é que as práticas agrícolas sustentáveis contribuem para uma alimentação também mais sustentável?

Hoje em dia todos os alimentos que chegam às cadeias de comercialização são cultivados segundo regras muito restritas de produção, com certificações, com análises de resíduos com os devidos limites estabelecidos que permitem uma maior segurança alimentar.

Portanto, toda a agricultura que é praticada para o consumo das grandes massas populacionais de Portugal, com origem portuguesa, é de origem em explorações sustentáveis, pois estas regem-se por exigências do comprador que segue critérios nacionais e internacionais de segurança alimentar. Nisto, o produtor já segue medidas de Produção Integrada, que é uma agricultura sustentável, ou segue medidas da Agricultura Biológica.

Considero que estamos no caminho de conseguir entregar aos consumidores alimentos saudáveis.

Estas práticas são sinónimo de alimentos com mais qualidade?

Com boas matérias de construção fazem-se boas casas. Na agricultura, frutos de produção de base sustentável como as descritas, são sinónimo de mais qualidade, pois são mais exigentes, são produtos mais manejados e menos industrializados, pelo que são seguramente de maior segurança alimentar e de mais qualidade nutricional.

Os consumidores estão mais exigentes pois cada vez existe maior diversidade da oferta externa, que coloca no mercado nacional uma diversidade de produtos que não existiam

Acha que os produtores portugueses estão mais conscientes deste tema e esforçam-se para que a agricultura seja mais sustentável?

Qualquer produtor que queira estar no mercado deve estar consciente de que tem de fazer uma agricultura sustentável, caso contrário, será inviável continuar a produzir, pois inclusivamente não terá a quem vender os seus produtos.

A legislação e a exigência dos clientes são cada vez maiores e há mais restrições impostas para que haja este cumprimento, assim como o caminho seja delineado apenas no sentido da sustentabilidade e da aplicação de práticas que confiram uma maior segurança alimentar.

Considera que os consumidores também estão mais exigentes?

Os consumidores estão mais exigentes pois cada vez existe maior diversidade da oferta externa, que coloca no mercado nacional uma diversidade de produtos que não existiam, sendo então necessário procurar formas de cativar o consumidor para os nossos produtos, pela diferenciação dos mesmos.

O caminho pode e deve ser feito pela oferta de produtos com métodos de agricultura sustentável, isentos de resíduos de substâncias químicas, com consequência na maior preservação da saúde humana, na conservação dos solos, dos aquíferos e dos ecossistemas.

Praticar uma agricultura sustentável acarreta um aumento exponencial dos preços por um lado, e por outro, um risco acrescido para os produtores – Gonçalo Madeira, produtor agrícola

Há alguma certificação que os consumidores devam procurar na hora de comprar alimentos?

Sim, claro que sim, devem procurar por produtos nacionais, procurando o país de origem do produto. De seguida, podem procurar por alguns que se destaquem regionalmente, por exemplo os IGP ou os DOP, Indicação Geográfica Protegida ou Denominação de Origem Protegida, respetivamente, que são produzidos segundo critérios muito exigentes e que garantem uma boa qualidade e segurança alimentar.

Quais são as principais práticas agrícolas que prejudicam o ambiente? E quais são as substitutas?

A má gestão do solo é um fator a ter em consideração, como a falta de controlo da erosão, que leva à perda de solo fértil. Por outro lado, o uso descontrolado de pesticidas (apesar de hoje em dia este controlo ser muito mais efetivo com alternativas naturais e que permitem o próprio equilíbrio biológico das espécies) ou o uso de herbicidas (é feito cada vez mais o controlo de ervas por meios mecânicos e não químicos).

Também o uso da água e o controlo do uso da água com sistemas de sensores incorporados nos automatismos de rega, que permitem apenas aplicar ao solo a água que a planta necessita evitando usos supérfluos da mesma.

O agricultor jovem deve procurar constantemente conhecimento no que toca a estas práticas, e um bom exemplo de formação que recomendo, onde aprendemos imenso sobre sustentabilidade e ganhamos uma rede de networking excelente, é a Academia do Centro de Frutologia Compal.

Por ter participado, conheci outros produtores, formadores e parceiros de várias entidades de renome do setor, e são essas experiências que nos permitem crescer e aprender, com as experiências e, por vezes, muito importante, com as falhas dos outros.

Em Portugal, a agricultura tem de ter bases sustentáveis para poder existir escoamento da produção – Gonçalo Madeira, produtor agrícola

A produção sustentável influencia, de alguma forma, o preço dos alimentos? Se sim, como é que pode contornar isto no futuro?

Por um lado, praticar uma agricultura sustentável acarreta um aumento exponencial dos preços, por outro, um risco acrescido para os produtores. Passo a explicar.

É a necessidade de mão de obra que aumenta; são mais litros de combustível, mais máquinas e equipamentos necessários, como equipamentos tecnológicos e de precisão, sensores de humidade e bombas de rega mais eficientes; são estruturas de controlo natural que têm de ser criadas para abrigar auxiliares; as aplicações de substâncias químicas de origem natural e não sintéticas que são muito mais dispendiosas. Tudo isto conduz para um aumento muito significativo do preço do produto que sai deste tipo de explorações, mas que não se traduz num aumento significativo do preço pago ao produtor por toda esta exigência.

A necessidade de criação de organismos de defesa destes produtores e a credibilização e acreditação destas práticas é um fator-chave para a recompensa destas mudanças e necessidades de investimento por parte do agricultor, que hoje vive maioritariamente para subsistir.

O agricultor jovem ambiciona contornar esta realidade e deseja defender um setor que alimenta as grandes populações que dele dependem. É importante sensibilizar e defender o agricultor que tem a preocupação de fornecer alimentos com qualidade e segurança alimentar.

É possível um futuro apenas com uma agricultura sustentável

Sim, sem dúvida. É possível e é necessário que assim seja. Em Portugal, a agricultura tem de ter bases sustentáveis para poder existir escoamento da produção. Nenhum hipermercado tem nas suas prateleiras produtos de origem nacional que não sejam certificados através de organismos externos com medidas de agricultura sustentável. Por isso, sim, é possível, e é esse o caminho sem dúvida alguma.

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