
Crónica. O segredo para uma relação feliz
Por muito tempo, acreditou-se que a felicidade a dois residia no encontro da pessoa certa, a metade da nossa laranja, e desta forma aconteceria um encaixe perfeito que garantisse uma harmonia para sempre. Vamos percebendo, na experiência do dia a dia de uma relação, que não é exatamente assim. Mas afinal, o que faz uma relação feliz?
Ainda fantasiamos o amor! Talvez os contos de fadas, os filmes de Hollywood e algumas crenças populares reforcem a idealização das relações. Ainda acreditamos que o encontro com a pessoa certa, uma espécie de alma gémea, seria a garantia de uma química perfeita e inabalável ao longo do tempo!
Contudo, a metade da nossa laranja também não poderá ser uma pessoa qualquer. Desfilamos mentalmente um conjunto de características que, na verdade, criam uma tremenda pressão e expectativas irreais que futuramente poderão ser bastante destrutivas para uma relação, porque é simplesmente impossível alguém cumprir todos esses papéis em todos os momentos da mesma.
Assim sendo, consideramos que a nossa pessoa parceira deverá conter em si tudo aquilo que consideramos ser próprio de uma alma gémea (um amante apaixonado, um melhor amigo, um confidente emocional e terapeuta improvisado, parceiro de aventuras e capaz de exercer uma inspiração/motivação pessoal, uma base segura e um porto de abrigo de estabilidade). Estas são as características que acreditamos que devem existir e que poderão garantir a relação feliz e douradora que tanto ambicionamos.
Trazemos as crenças de que um casal feliz não discute, que os conflitos ou discussões seriam a metáfora de uma relação imperfeita da qual o amor não faz parte. Afinal, todas lemos contos de fadas, e sabemos que o casal encontrou-se e “foram felizes para sempre”. Nunca soubemos é como esse casal dos contos de fadas construiu o seu feliz para sempre! Nunca soubemos como foi para esse casal gerir opiniões distintas, crenças diferentes, cansaço acumulado de dias de trabalho intenso, mudar fraldas, noites sem dormir para acompanhar um filho que ficou doente, negociar a educação e a parentalidade, a desconexão e distanciamento quando surgem, dificuldades ou desencontros sexuais que podem surgir ao longo do ciclo de vida de um casal!
Esta é a realidade de uma relação moderna e de um amor de carne e osso, e salvo poucos exemplos, não sabemos nem vimos como se faz de uma relação um lugar feliz!
Muitos de nós aprendemos sobre o amor ao longo da vida como um lugar onde a comunicação de emoções não existia, onde a agressividade e violência fizeram parte, ou a família foi um lugar de uma perfeição aparente com total ausência de espaço para discussões. Um lugar de uma aparente paz, mas pobre por não permitir aos seus elementos um espaço onde podiam ter voz e negociar o que poderia ser melhor ou importante para cada um ou mesmo para todos. Por isso mesmo, torna-se mais desafiante compreender o que permite, afinal, uma relação ser mais feliz.
O que é uma relação feliz?
Por tudo o que foi anteriormente mencionado, torna-se importante criar algum espaço de reflexão sobre as crenças e ideias que trazemos dentro de nós sobre tudo aquilo que julgamos o amor ser ou não, sobre o que é ou foi para nós a ideia de uma relação feliz. Por vezes, poderemos ter de desconstruir algumas crenças em particular.
Neste sentido, uma relação feliz não é uma relação onde não existem problemas ou discussões. É uma relação onde existe mais ligação do que desconexão, mais momentos de cuidado do que crítica, mas que, quando acontecem, os seus elementos procuram reparar e corrigir. Uma relação feliz é um lugar onde podemos ser quem somos de verdade, com a segurança e o suporte emocional como dois aliados essenciais.
O que torna uma relação feliz?
1. Segurança emocional: Sentir que somos aceites, respeitados e que podemos contar com o outro, mesmo nos momentos difíceis.
2. Cuidado e atenção recíproca: Pequenos gestos diários, como ouvir, abraçar, agradecer, que alimentam o sentido de valorização mútua.
3. Comunicação aberta e respeitosa: Não é a ausência de conflito que faz a relação feliz, mas sim a capacidade de expressar necessidades e frustrações sem medo, procurando compreender e reparar.
4. Apoio mútuo no crescimento individual e a dois: Cada um mantém a própria identidade e sente que o relacionamento é um espaço que impulsiona, que acrescenta e não limita.
5. Mais experiências positivas do que negativas: A ciência indica que as relações duradouras tendem a ter cinco interações positivas para cada negativa, mesmo em fases de maior stresse.
Uma relação feliz é aquela que oferece vínculo, respeito e vitalidade, permitindo que ambos os elementos cresçam enquanto permanecem conectados.
Como construir uma relação feliz e duradoura?
A construção de uma relação feliz e douradora pressupõe, antes de mais, a existência de dois elementos que continuam a procurar um lugar de bem-estar e crescimento individual. Oferecermo-nos numa relação pressupõe termos algo para dar, com consciência e amor.
Neste sentido, é importante que cada elemento procure amadurecer emocionalmente, ter uma maior consciência de si mesmo e trabalhar os diferentes aspetos de si, enquanto individual, que lhe possam facultar maior saúde física e mental e, consequentemente, maior bem-estar, satisfação e curiosidade perante a vida e o outro elemento.
Contudo, existem diferentes pontos que poderão ajudar o casal a construir a relação feliz e duradora que tanto desejam.
1. Manter uma base de amizade e admiração: Casais felizes continuam curiosos sobre a vida do outro. Perguntam, lembram-se de detalhes e celebram pequenas conquistas. Poderá ser importante perguntar “como foi o teu dia?”, “o que te está a entusiasmar ultimamente?” ou “que necessidades tens sentido ultimamente na nossa relação?”. Sermos curiosos e mostrarmos interesse fortalece a intimidade.
2. Pequenos gestos diários de conexão: No lugar de grandes gestos românticos ocasionais e que muitas vezes parecem que ficam perdidos e esquecidos no tempo, são os pequenos momentos de atenção que fortalecem o vínculo. Diariamente cultivar gestos como um abraço, um sorriso, um toque no braço, um elogio, dirigir o nosso suporte e apoio, ajudam a construir um saldo emocional positivo.
3. Responder aos pedidos de conexão: São os terapeutas de casal John e Julie Gottman, que se debruçam de forma intensa na investigação na área da conjugalidade, que indicam a importância de bids for connection, ou seja, respondermos aos pedidos de conexão. Por exemplo, quando uma pessoa parceira procura a atenção do outro por um motivo (alguma coisa a preocupa ou algo simples do dia a dia), a forma como o outro elemento responde, com interesse ou indiferença, irá influenciar intensamente o sentimento de satisfação na relação a longo prazo. Sublinha-se assim a importância da sintonização emocional e da responsividade emocional às iniciativas, pedidos e necessidades dos elementos entre si.
4. Cultivar a regra dos 5:1: Manter cinco interações positivas para cada interação negativa. Verbalizar e nomear pequenas palavras de apreço, de humor e gestos carinhosos ajudam a equilibrar o impacto de críticas ou tensões que podem surgir no dia a dia.
5. Gerir conflitos de forma suave: A ciência indica que os casais deverão iniciar conversas difíceis suavemente (conhecido como o soft star-up) e não de forma exaltada, com volume emocional mais elevado, conduzindo desta forma a um escalar da conversa. Desta forma, o casal poderá apresentar as suas necessidades e fazer os seus pedidos de uma forma mais calma, o que potencia a escuta e a resolução das mesmas necessidades. Por exemplo, “sinto-me sobrecarregada com as tarefas, podemos rever a divisão?” em vez de “nunca fazes nada!”.
Assim, deveremos evitar as 4 caracteristicas consideradas mais destrutivas da comunicação do casal: a crítica, o desprezo, a defensividade e o bloqueio emocional (virar costas, fugir, silenciar).
6. Reparar rapidamente depois de um desentendimento: Em vez de se ficar na mágoa e no ressentimento, quando o casal se depara com um desentendimento na relação, deverá movimentar-se para a reparação emocional da situação. Ou seja: um pedido de desculpa honesto, um gesto de humor (atenção para não ser confundido com ridicularização e humilhação do outro), um toque carinhoso após o conflito, o querer escutar com disponibilidade e respeito o outro elemento, o relembrar que estão juntos e que em conjunto irão concertar e fazer o que é necessário para que ambos se sintam bem.
Estes gestos ajudam a restaurar a ligação e a confiança na relação. Não é a ausência de discussões que define a felicidade na relação, mas a rapidez e a forma como o casal volta a conectar-se depois do desentendimento.
7. Partilhar sonhos e significados: Casais mais felizes conversam sobre valores, objetivos de vida, emoções, sobre o que dá mais sentido à relação, metas e planos, ajudando a criar um sentimento de “Nós” que vai além do dia a dia.
8. Sentir-se seguro na relação: Somos mais felizes quando, em momentos de vulnerabilidade, o outro está disponível e responde. Todos nós enquanto seres humanos, necessitamos de um vínculo seguro, disponível, que nos abrace e com que sabemos que podemos contar. Todos trazemos em nós as grandes questões: “Posso contar contigo?” ou “Posso alcançar-te e vais responder”. Somos mais felizes quando sentimos que o outro nos responde com segurança e disponibilidade.
9. Expressar necessidades e vulnerabilidade: A partilha de medos e carências, e pedir apoio, em vez de atacar ou fechar-se, fortalece o vínculo e reduz padrões de afastamento e crítica.
10. Criar momentos de conexão emocional profunda: Momentos de conexão profunda, em que o casal se escolhe, se prioriza e aprofunda o vínculo e a segurança deste. Abraços demorados, olhares, palavras de carinho e escuta ativa não são apenas gestos românticos, também ajudam a regular o stresse, aumentam a sensação de segurança e nutrem o vínculo.
Construir uma relação feliz e douradora não é fácil, mas também não tem de ser tão complicado. Não existe um guião e uma forma certa, mas exige algumas condições essenciais. Porque uma relação feliz é aquela em que os parceiros se sentem emocionalmente seguros, conseguem recorrer um ao outro nos momentos de necessidade e mantêm viva a ligação através da responsividade e do cuidado mútuo. Para tal, talvez tenhamos de cultivar em nós uma atitude de disponibilidade emocional que envolve uma total presença emocional, que é muito diferente de uma simples e só presença física.