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Vaginismo, a condição sexual que continua escondida nas sombras

Vaginismo, a condição sexual que continua escondida nas sombras

“O vaginismo pode afetar profundamente a qualidade de vida da mulher, gerando insegurança, ansiedade, baixa autoestima e problemas nas relações afetivas”, explica em entrevista Sara Graça, fisioterapeutada na Power Clinic. Conhece esta condição médica? Contamos-lhe tudo o que precisa saber.

Por Jun. 9. 2025

Falar sobre sexo já não é o tabu que era há algumas gerações, contudo são diversos os temas ligados à sexualidade e à saúde íntima da mulher que continuam mais na sombra do que na luz. O vaginismo é um deles. Conversámos com Sara Graça, fisioterapeutada na Power Clinic, para compreender melhor esta condição, dos sintomas aos tratamentos, e como pode afetar a vida da mulher.

O que é o vaginismo?

O vaginismo é caracterizado por tensão muscular recorrente e persistente no terço externo da vagina, reportada na relação sexual penetrativa, palpação com o dedo, ou inserção de tampões e espéculos. Pode surgir como resposta ao medo da experiência de dor/fobia antecipatória, mas não implica necessariamente que se sinta dor.

Não obstante, a dor sexual (dispareunia) e o vaginismo foram fundidos num único diagnóstico, designado de Perturbação de Dor GénitoPélvica/penetração (PDGPP).

Quais são os principais sintomas?

O principal sintoma do vaginismo é a sensação de bloqueio na entrada da vagina, frequentemente associada a ansiedade ou medo perante situações que envolvam penetração, como relações sexuais, consultas ginecológicas ou uso de tampão. A intensidade varia: desde ligeiro desconforto até dor intensa e comorbilidades como vestibulodinia. Pode surgir antes do início da vida sexual (primário), mais tarde (secundário), ser recorrente ou dependente de situações específicas, como certos parceiros ou estímulos emocionais.

Quais são as causas?

Não existe uma causa definida para o vaginismo, sendo geralmente visto como uma condição psicofisiológica com fatores cognitivos, comportamentais e fisiológicos. O modelo de medo e evitação da dor é frequentemente usado para explicar o seu desenvolvimento: uma experiência negativa com penetração pode levar ao medo, resultando na evitação da atividade sexual ou em hipervigilância, o que causa contrações dos músculos pélvicos. Estas contrações dificultam/impossibilitam a penetração e reforçam o ciclo de dor e evitação.

Fatores socioculturais podem influenciar o desenvolvimento do vaginismo, seja através de experiências negativas explícitas (como dor na penetração, infeções ou parto), ou fatores implícitos, como crenças religiosas, educação sexual deficiente, medo de gravidez ou infeções, e inseguranças relacionais.

Estudos indicam que reações de repulsa a conteúdos sexuais aumentam a contração dos músculos pélvicos. Em sociedades onde o sexo é tabu, há maior prevalência de disfunções sexuais, incluindo o vaginismo.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico do vaginismo é desafiante, pois, por vezes, podem coexistir dores na vulva, pélvis e pavimento pélvico. Requer uma avaliação clínica detalhada, incluindo história médica, psicossocial, relacional e sexual, bem como exame genital para excluir outras condições. A inspeção visual pode revelar problemas como infeções, fissuras ou atrofia, e o teste do cotonete pode indicar vestibulodinia. Espéculos devem ser evitados antes de intervenções terapêuticas.

Após diagnóstico médico, a fisioterapia avalia a função muscular, sintomas, impacto na sexualidade e comportamentos associados, incluindo, quando possível, a palpação intracavitária.

Os classificadores de diagnóstico são:

1. Dificuldade persistente/recorrente com a penetração vaginal;

2. Dor pélvica/vulvovaginal durante a relação sexual/tentativa de penetração;

3. Elevada ansiedade/medo de dor pélvica ou vulvovaginal por antecipação, durante ou como resultado da penetração.

4. Acentuada tensão/contração dos músculos do pavimento pélvico durante a tentativa de penetração vaginal;

Em média, quantas mulheres sofrem de vaginismo no mundo?

As pessoas com vaginismo frequentemente mantêm o silêncio sobre o problema, o que dificulta o apuramento de dados precisos. Como um dos sintomas pode ser a dor, o vaginismo pode ser confundido com dispareunia, o que distorce os resultados dos poucos estudos existentes. Também alguns casos diagnosticados como vaginismo podem ser vestibulodinias não diagnosticadas.

A pesquisa sobre a sexualidade feminina é limitada e os dados disponíveis não refletem a verdadeira prevalência do vaginismo. Estima-se que a prevalência mundial varie entre 0,5% e 6,2%, com maiores taxas em países mais conservadores. Em Portugal, essa taxa pode variar entre 4,2% e 9%.

Que impacto tem na qualidade de vida da mulher?

O impacto do vaginismo depende de vários fatores, incluindo o significado que a pessoa dá à relação sexual, especialmente quando há uma valorização excessiva da penetração. Questões psicológicas influenciam a forma como se vive a disfunção, e os sintomas variam de pessoa para pessoa.

Culturalmente, as mulheres foram ensinadas a suportar mais do que a desfrutar do sexo, refletindo-se em menor desejo, prazer e iniciativa sexual. O vaginismo pode afetar profundamente a qualidade de vida, gerando insegurança, ansiedade, baixa autoestima e problemas nas relações afetivas.

Ainda há vergonha em falar sobre este tema?

Apesar do sexo ser cada vez mais explícito na cultura popular, falar sobre sexualidade continua a ser um tabu, especialmente devido à educação sexual influenciada por pressões conservadoras e patriarcais. Isso perpetua estigmas sobre como as pessoas devem viver a sua sexualidade.

A falta de espaços seguros e de acesso a informações confiáveis torna o prazer e a saúde sexual inacessíveis para muitas pessoas. Temas como o vaginismo são pouco discutidos, o que dificulta a investigação e afeta a capacidade dos profissionais de saúde em oferecer respostas adequadas.

Que tratamentos existem?

O vaginismo não é uma doença, mas uma perturbação sexual que causa sofrimento. Não se trata de uma cura, mas de um tratamento, sendo o prognóstico melhor quando a pessoa se envolve no processo, com o apoio de profissionais especializados. O tratamento requer uma abordagem multidisciplinar com terapia psicológica, fisioterapia pélvica e terapia de casal ou sexologia como primeiras opções. Se houver comorbilidades, outros profissionais podem ser necessários na equipa.

Qual é o papel da fisioterapia pélvica no tratamento do vaginismo?

A fisioterapia para disfunções sexuais visa educar a pessoa sobre conceitos, hábitos, mitos e crenças, além de melhorar a consciência muscular, relaxamento, elasticidade e dessensibilização das áreas dolorosas. Foca-se na normalização do tónus muscular e na redução da ansiedade relacionada com a penetração e outras queixas sexuais. A avaliação inclui dinâmicas miccional, defecatória, sexual e hormonal, e um plano de tratamento individualizado.

O tratamento de primeira linha inclui exercícios para os MPP, técnicas manuais, biofeedback eletromiográfico, biofeedback ecográfico, exercícios de respiração e mindfulness, estabilização, fortalecimento e flexibilidade. Na fisioterapia pélvica, as pessoas são desafiadas a iniciar um caminho de autodescoberta, desenvolvendo ferramentas de observação, palpação e aprendizagem sobre o próprio corpo.

A educação é um pilar fundamental do tratamento e o exercício físico específico uma forma de prolongar os seus resultados, mantendo o corpo saudável e funcional. É essencial, também, que outros profissionais de saúde reconheçam a importância desta abordagem e encaminhem os pacientes quando necessário, utilizando uma comunicação inclusiva e sem julgamento sobre sexualidade.

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