
Síndrome do Ninho Vazio: quando os filhos saem de casa
Entrar na universidade é um momento de viragem na vida de muitas famílias e pode representar a primeira saída de casa dos pais. A síndrome do ninho vazio surge, muitas vezes, nesta fase. Como preparar e gerir este desafio?
Quando Diogo se candidatou à universidade, os pais sabiam que havia a possibilidade de ser colocado numa cidade longe de casa. Faro era uma das primeiras opções. “Obviamente ficámos felizes por ele ter entrado no curso que queria [Biologia, na Universidade do Algarve]. Mas só tinha 17 anos e nunca tinha vivido numa cidade. Cresceu num meio rural, não muito longe de Lisboa, mas, ainda num ambiente muito controlado, onde todas as pessoas se conhecem”, relata Cátia Jorge, jornalista de saúde.
Como se costuma dizer, “foi criado por uma aldeia”. De repente, “imaginá-lo sozinho numa cidade grande” era uma ideia assustadora para os pais. Na verdade, não houve muito tempo para pensar. A notícia de que o filho tinha sido colocado chegou apenas uma semana antes de as aulas começarem. “Tivemos uma semana para lhe arranjar quarto, tratar das matrículas, fazer a ‘trouxa’ e instalá-lo. Não houve muito tempo para irmos fazer o reconhecimento do terreno.”
Os pais deixaram-no instalado na véspera de as aulas começarem e “ele teve de se orientar sozinho” sem conhecer ninguém, e a viver num apartamento com quatro estranhos na mesma situação que ele.
Nas primeiras semanas, Cátia e o marido, Luís, não conseguiram dormir. “Sempre que lhe ligava e ele não atendia ou demorava para responder, eu criava o pior cenário na minha cabeça. Foi muito angustiante”, conta a mãe. E o facto de estar a ser praxado “com brincadeiras nem sempre seguras foi um sufoco”, sublinha.
Crescimento mútuo
A ida dos filhos para a faculdade “marca um rito de passagem importante tanto para os filhos como para os pais. Para os jovens, surgem desafios ligados à autonomia, gestão do tempo, responsabilidades e construção de uma nova rede de apoio”, explica Catarina Lucas, psicóloga e diretora do Centro Catarina Lucas.
Para os pais, “pode ser um momento de ansiedade, medo da distância e da perda de controlo, mas também de confiança no percurso que ajudaram a construir”. A especialista defende que este “é um momento de crescimento mútuo, onde se aprende a manter o vínculo, mesmo com novas formas de estar”. Como gerir esta dualidade de sentimentos? Se, por um lado, é preciso confiar e deixar os filhos prosseguirem os seus objetivos, por outro, é difícil ajustar tudo o que esta mudança implica.
Cátia Jorge diz que o primeiro ano foi um enorme desafio para Diogo. “É uma estrutura de ensino muito maior e com muito mais gente do que as que estava acostumado. Além das saudades de casa, teve de se adaptar a uma rotina que não conhecia. Lavar, es- tender e arrumar a sua própria roupa. Cozinhar, fazer compras, trocar os lençóis da cama. Partilhar um frigorífico, um fogão, uma casa de banho.” E, em cima de tudo isto, estudar e cumprir as suas obrigações enquanto estudante: preparação para exames, entregas de trabalhos, etc. “Sinto que aprendeu a valorizar a casa enquanto lar. Sempre que vinha passar fins de semana ou férias, desfrutava do seu cantinho e sabia-lhe verdadeiramente bem.”
A psicóloga clínica Carolina Chaves acrescenta que “é preciso garantir que os filhos não se sentem desprotegidos porque vão entrar num mundo novo, com rotinas, pessoas e expectativas novas”. É importante fomentar a independência e ajudar nessa fase, mas também em todo o percurso universitário. “Este acompanhamento e esta proximidade fazem a diferença. Os pais podem participar ativamente e demonstrar interesse naquilo que o filho está a aprender e no seu desempenho académico. Isto revela envolvência e suporte emocional naquela que é a fase em que o jovem vai aprender as bases para exercer a sua profissão.”
Síndrome do ninho vazio
Quando esta mudança é acompanhada pela saída dos jovens de casa dos pais, pode surgir a conhecida síndrome do ninho vazio, relatada frequentemente na literatura como o período de mudanças na vida do casal após a saída dos filhos de casa. Catarina Lucas confirma que este pode ser “um dos primeiros momentos em que os pais se deparam com a sensação de ‘ninho vazio’, especialmente se os filhos ocupavam grande parte da rotina e atenção. Embora ainda não seja uma saída definitiva, em alguns casos, marca efetivamente o início dessa fase e a altura em que o casal precisa de se reencontrar”.
É inevitavelmente um período de adaptação em que o casal precisa de “valorizar o reencontro a dois, redescobrindo interesses partilhados, retomando conversas e projetos adiados”. É também uma boa fase “para cuidar da relação, promover o autoconhecimento e dar um novo sentido à parentalidade, agora mais distante, mas ainda presente”.
Uma das formas de gerir esta eventual mudança é através da antecipação. A psicóloga clínica considera que é importante que o casal se prepare previamente e invista na relação, “para não correr o risco de, quando os filhos saem de casa, olharem para o outro e já não o reconhecerem como o seu parceiro”.
São muitas as realidades, todas elas diferentes, e no caso de Cátia e Luís, têm outro filho, Guilherme, dez anos mais novo, muito próximo do irmão. Mas, ainda assim, o ‘ninho’ ficou mais vazio. “É o nosso filho mais velho e, no final do dia, é sempre menos um prato que pomos na mesa, é menos um beijo de boa noite. É o armário da roupa quase vazio, uma secretária sempre arrumada. Custou muito. Sempre que regressava a casa, levava mais qualquer coisa. Num fim de semana, levou a bicicleta, no outro, a prancha de surf e, de repente, a casa foi ficando com menos vestígios de Diogo”, partilha a mãe.
Foi também preciso gerir as saudades que o irmão sentiu. “Desde sempre que partilham quarto e os primeiros tempos foram muito difíceis. Só de falarmos o nome dele, o mais novo desatava a chorar.” Cada vez que ia ao supermercado, ele queria trazer qualquer coisa para o irmão. “Um chocolate, um pacote de gomas. E guardava tudo debaixo da almofada dele. Escrevia recados em post-its que escondia também debaixo da sua almofada. Na escola, a professora sentia que estava mais triste e perguntava o motivo.”
Enquanto casal também foi preciso fazer alguns ajustes, conta a mãe. “Em primeiro lugar, tentar apaziguar as inquietações um do outro. O pai é muito ‘galinha’ e sofreu muito em silêncio. Às vezes acordava a meio da noite e já não conseguia voltar a dormir. Era fácil perceber o motivo.” As questões noturnas somavam-se: “O que estará a fazer a esta hora? Será que está a dormir? Será que se tem alimentado bem? Será que está feliz? Será que está a gostar?”.
Eram muitas as vozes que invadiam a cabeça — e a casa — de madrugada. Além disso, ter um filho a estudar fora implica um reajuste orçamental muito grande, partilha. “São cerca de mil euros de despesas extra, pelo que é sempre preciso esticar para que nada falte. É óbvio que nos privámos de algumas coisas. Menos refeições fora, menos compras por impulso, pensar muitas vezes antes de gastar dinheiro em coisas que não sejam realmente necessárias.”
Por muito que tentem, os pais nunca estarão verdadeiramente preparados para este ‘ninho vazio’, afirma Carolina Chaves. “Mas é fundamental não esquecer que antes de haver um filho, já existia um casal que começou num namoro, num relacionamento e que construiu uma história a dois. Esta é uma boa altura para os pais se re- descobrirem e se apoiarem.” Não só enquanto casal, mas também socialmente, através de novas partilhas com amigos. “Esta preparação deve ser feita ao longo da vida, antecipadamente, dentro do que é possível e naquela que é a sua rede de suporte familiar.”
Como gerir melhor a distância?
Algumas das estratégias sugeridas pela psicóloga Catarina Lucas:
- Aceite a mudança como parte do crescimento;
- Mantenha uma comunicação aberta e sem cobranças;
- Confie na educação que foi dada e dar espaço para os filhos se descobrirem.
Para os pais
- É importante investir no autocuidado;
- Procurar apoio emocional, se necessário;
- Cultivar outros papéis para além da parentalidade.
Para os filhos
- Criar rotinas;
- Pedir ajuda quando necessário;
- Manter o contacto com a família ajuda a tornar esta fase mais leve e segura.
Confiar e ajudar
Os pais podem — e devem ajudar — mostrando-se disponíveis e presentes, mas é fundamental “respeitar e não invadir o espaço de que os filhos precisam para crescer”, explica Catarina Lucas. Confiar é a palavra de ordem. “Tivemos de confiar na educação que lhe demos e acreditar que ele seria capaz de tomar as melhores decisões. Se não podemos controlar tudo quando eles estão debaixo da nossa asa, mais difícil se torna quando estão longe. Mas fizemo-lo perceber que maior liberdade é sempre sinónimo de mais responsabilidade”, explica Cátia.
Os pais reforçavam a ideia de que Diogo estava em Faro com uma missão, que era fazer um curso e que, pelo meio, havia tempo para o resto: “para viver o espírito académico, para ir jantar, sair com os amigos e namorar”. Os pais não deixaram de o advertir para eventuais perigos. “Estando, pela primeira vez, a viver numa cidade, recomendámos-lhe que evitasse andar sozinho, sobretudo quando saía à noite. Que não se colocasse em situações cujo desfecho não podia controlar, que pusesse a segurança sempre em primeiro lugar e conhecesse os limites. Os seus e os dos que o rodeiam.” E pediram-lhe, essencialmente, que “cuidasse de si, sem ser indiferente aos outros, que pedisse ajuda quando precisasse, mas que fosse capaz de perceber também quando eram os outros a precisar”.
Cátia e Luís pediram ainda ao filho que lhes ligasse “sempre que se sentisse sozinho, assustado ou precisasse de falar, de mandar um grito ou dizer um palavrão. Aconteceu algumas vezes”.
Catarina Lucas confirma tudo isto: é importante manter o contacto regular, ouvir sem julgar e confiar nas capacidades dos filhos, tudo são formas importantes de apoio. “É natural que sintam saudade ou preocupação, mas é essencial que consigam transformar esse sofrimento em incentivo, reforçando a ideia de que estarão sempre ali, mesmo à distância”.
Na verdade, esta é uma excelente oportunidade de reformular o vínculo entre pais e filhos, baseado agora “mais na confiança do que na supervisão. Os pais podem preparar-se revendo o seu papel, investindo em interesses próprios e aceitando que esta separação faz parte do ciclo natural da vida e do desenvolvimento saudável dos filhos”. Os filhos ganham mais independência e os pais aprendem a acompanhar de longe, “com mais escuta e menos controlo”. As múltiplas formas de comunicação tornam a distância menos dolorosa. É um facto.
Cátia explica: “Fazíamos umas videochamadas, às vezes na hora do jantar. Com o tempo foi custando menos porque percebemos que foi ganhando autonomia, foi criando o seu núcleo de amigos e já não estava sozinho”. Diogo terminou o curso há dois meses, voltou a casa e os pais sentem que esta foi uma experiência enriquecedora para todos. “Para ele, que foi menino e voltou homem. E para nós, que no meio de algumas incertezas e inseguranças e, eventualmente, alguns erros, percebemos que criámos um bom miúdo. Responsável, generoso, determinado, com a cabeça arrumada e o coração no lugar certo.”
O jovem quer seguir a área de embriologia e candidatou-se a mestrado na Universidade de Lisboa. “Se entrar este ano, vai continuar a estudar. Se não entrar, diz que quer ter alguma experiência de trabalho na sua área. Foi bom recebê-lo de volta em casa, mas não sabemos por quanto tempo”, conclui a mãe.